Dedicatória

Dedicatória

Dedico este blog a duas pessoas muito especiais na minha vida. Normalmente, as dedicatórias são, apenas, do tipo dedico isto a fulano de tal. Não é o que decidi fazer. Pretendo explicar, porquê dedico este blog a estas duas pessoas, e porquê são especiais para mim. José Lima da Costa e José Samuel Mabote. Os dois partilham o primeiro nome, que simboliza pai social de Jesus Cristo. O primeiro é um padre. O segundo um professor primário.

Comecemos pelo Padre José Lima da Costa. Meu Pai, depois de ter sido professor catequista, passou a guarda-florestal, e ainda assim, achou que não recebia nada, o suficiente para sustentar a família. De nada lhe valia que, nos dias sagrados de Portugal, se apresentasse de sua farda de tropa, feita em 1958. Então, decidiu ir para a terra do rand, à busca de melhores condições. 

Foi na ausência dele que minha Mãe mostrou a fibra que tinha, na defesa dos seus. Assim, a minha Mãe preparou uma malinha de madeira, parecida com a de um barbeiro, que ainda a guardo com carinho, encheu-a de roupa e levou-a comigo para a missa dominical. A missa nem era na nossa povoação (Dongane). Era na povoação vizinha (Cuaguana). Depois da missa, foi parar à porta de entrada do motorista do jeep do padre. Como é óbvio, o motorista era o próprio padre. Era um Austin. De pescoço erguido, bem vestida para a época, cabelo bem frisado com pente de aço aquecido ao fogo, beleza natural, vaselina posta à medida, minha Mãe esperou pelo padre, agarrando-me pelo braço. Quando o padre se aproximou, disse para ele: Senhor Padre, peço para levar consigo o meu filho para a Missão! Quero que ele estude muito, é inteligente! Havia muita gente à volta, emocionada, para cumprimentar e despedir-se do Padre, figura central. Houve muita gente que não gostou do atrevimento da minha Mãe, a murmurar, esperando que ela se saísse mal. Como que a dizer: o que ela pensa que é? Sobretudo, porque o comum era ter sido o professor catequista a fazer a intermediação. Aquela autonomia da minha Mãe era ousada demais.

Com surpresa, o padre perguntou para a minha Mãe: é esse o teu filho? Eu aproximei-me mais. E o padre perguntou-me: como te chamas. A minha Mãe nem me deixou responder. Disse logo: Augusto Raúl Paulino, baptizado pelo Padre Freitas, em criança. Já fez primeira comunhão. Já foi crismado. Foi Dom Ernesto Gonçalves da Costa quem o crismou. E o padre continuou: ele não faz xixi na cama? A minha Mãe respondeu negativamente, e eu também abanava com a cabeça nesse sentido. O padre continuou com a sua investida de perguntas: Ele não vai roubar leite nem açúcar? A minha Mãe respondeu: Senhor Padre, filho de pobre não rouba. Quando quer alguma coisa, pede. Então, o padre disse: está bem mamã, vou levar o seu filho, sim. Vamos rezar a Deus, para que lhe dê saúde para aguentar com os estudos, até ao fim. O Austin tinha dois lugares na frente, para o padre e o sacristão que o acompanhava. Então, eu subi para a carroçaria, tendo usado a minha malinha de madeira, a servir de cadeira.

Chegado à Missão, dia seguinte o padre me levou à loja de Dramucy, em corruptela local, Daramussene, para comprar roupa condizente, pois a minha deixava muito a desejar. Fiquei lindo e orgulhoso. Daí em diante, eu e um outro Augusto, este Augusto César Mapapai, éramos os meninos predilectos do Senhor Padre José Lima da Costa, daí, pois, que o chame de meu Pai social. Lembro-me que o padre confiava muito em mim, de tal modo que era o predilecto dele para decorar e declamar poesias. Lembro-me, a propósito, que, certo dia, houve uma visita importante na vila. Muitas escolas foram convidadas, e eu era a aposta do padre para a declamação. O poema era longo demais e esqueci-me da penúltima estrofe. Mas, me recordava da última. Para a minha idade, a invenção que tive de fazer só pode ter sido uma dádiva Divina. Na verdade, sem fazer pausa, disse para o público e para a ilustre visita: como se mostra a alegria cá na terra aos visitantes: com dança: cava, cava, cava; e pedi para que o público repetisse. O público repetiu com muito entusiasmo, por três vezes! E a repetição era feita com a exibição do gesto de dança de makara (estilo de dança típica do povo chope). A emenda saiu tão bem, que acho que terá sido a melhor declamação de toda a minha vida. Sim, porque agora declama-se a ler o texto. E já não tenho idade, nem estofo, para decorar mais nada. Nesse entretanto, me recordei da estrofe que havia esquecido e completei o resto. Só o padre tinha se apercebido, mas, mesmo ele gostou da emenda. E tive direito a um almoço especial. E o meu erro, que, não fora isso, teria sido um terramoto, virou um sucesso! Nas minhas memórias, se Deus me der vida e saúde, voltarei a falar deste padre, com muito mais detalhe. Este meu outro pai social perdeu a vida, recentemente, em Portugal.

Por vez, José Samuel Mabote, professor primário foi quem me recebeu em Hókwè-Chókwè. Ele era Director da Escola Primária do Hókwè, denominada do Sétimo Bairro. Era uma escola com edifício de alvenaria construída para filhos dos integrantes do Colonato do Limpopo. E eu tinha sido nomeado para professor e Director de outra escola – a Escola Primária do Quinto Bairro do Hókwè, esta, de pau a pique. Chegado a Hókwè, com minha maleta de quase barbeiro, sou conduzido para uma casa gémea, onde vivia o professor Mabote.

Quem conhece aquelas casas do colonato do Limpopo, são todas de tipo três de um e de outro lado. O meu vizinho professor Mabote vivia com a sua família, a mamã Maria e o primogénito Benito. Até o nome da esposa é sagrado. E eu ia viver com mais dois colegas. Um em cada quarto. Os meus colegas eram professores de outras escolas. Um deles: Lopes Monteiro Fanheiro, natural de Chókwè, em Chalocuane. Outro, Maurício Gabriel Muchanga, também natural da Cidade de Chókwè. Todas as sextas-feiras aqueles meus colegas zarpavam para as suas povoações e regressavam segunda-feira pelos primeiros carros de Xitonhane (Oliveiras – Transportes e Turismo Limitada – propriedade de António Abrantes de Oliveira). Eis que então, nos fins-de-semana eu estava sozinho. O professor Mabote fazia-me parte do seu agregado familiar e eu estava bem amparado naqueles dias. Ou seja, passava todas as refeições e respectivos lanches em casa dele. Aos intervalos planificava as aulas. E isso aconteceu por todo o período que eu estava em Hókwè, ate que fui transferido para Mapapa, para ir cobrir a vaga criada pela transferência para Maputo, do respectivo Director Alberto da Silva Dolane Chuquela.

Aí fui assumir a Direcção da Escola Primária de Mapapa e de Director pedagógico da ZIP (Zona de Influência Pedagógica) de Conhane, que era dirigida pelo Manuel José Nhassengo. Ora, em Hókwè, fiquei os primeiros três meses sem salário, que chegou com retroactivos no final do terceiro mês. Fica claro que o Professor Mabote custeava toda a minha vida, desde sabão, pasta dentífrica, e tudo o resto. Se do professor Mabote não havia dúvida, a mulher era mesmo como ele. Nunca vi a dona Maria desagradada e até tinha pena de mim, porque eu vinha de longe. o Casal Mabote vinha de Manjacaze. Ou seja, da mesma província.

Assim, seria ingratidão demais da minha parte, se, em algum momento, não deixasse registado o meu reconhecimento ao professor Mabote. Já agora, aos dois José: Lima da Costa e Samuel Mabote são também meus pais sociais, aos quais lhes devo muito do que sou hoje! 

Os leitores podem perguntar, então, para os pais biológicos não diz nada? Já o fiz, anteriormente. O livro o Rugido da Toga: Lições do Juiz Paulino I, dediquei-o à minha Mãe, Benigna dos Anjos Condela Dussi, já falecida, essa heroína da família; o livro o Rugido da Toga: Lições do Juiz Paulino II, dediquei-o ao meu pai Paulino José Chaissa. Dito isto, estamos quites, cobrimos todos os pais biológicos e sociais.

Até breve!

Sobre o Autor

Posto Escolar Eventual do Ensino Primário, no Distrito de Chókwé, onde leccionou nas Escolas Primárias de Hókwe e Mapapa, Substituo do Director Distrital de Educação e Cultura do Chókwé… Ler Mais

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