A minha solidariedade para com o Professor Doutor Boaventura de Sousa Santos

Vieram a público denúncias de assédio sexual e moral contra o Professor Boaventura de Sousa Santos e alguns membros da equipa por si liderada, enquanto Director do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, as quais foram largamente ampliadas por diversos órgãos de comunicação social e por activas redes sociais, em plena era digital e num mundo global.  

Conheço o Doutor Boaventura de Sousa Santos, sociólogo e jurista, Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, há um bom pedaço de anos, nomeadamente desde a altura em que dirigiu em Moçambique uma pesquisa que culminou com o resultado divulgado num livro, em dois volumes, intitulado: Conflito e transformação social: uma paisagem das justiças moçambicanas. Eu fui um dos entrevistados e participante dos seminários de validação dos resultados desse estudo.

Depois, fui um dos seus convidados ao Colóquio Internacional sobre Justiça no Século XXI, no qual apresentei o tema: a criminalidade global e a insegurança local: o caso de Moçambique,[1] com repercussão relevante quer no plano interno, quer no plano internacional. Com efeito, tal artigo é frequentemente citado por académicos e pela comunicação social nacional e internacional. Cá no burgo, tem sido a televisão privada STV, que sistematicamente o cita, no sentido de aprovação ou mesmo de crítica, o que não deixa de ser curial.

O Professor Boaventura de Sousa Santos é um grande amigo de Moçambique, repetidas vezes tem sido convidado a palestrar, a título gratuito, sobre variadas temáticas, nomeadamente, sobre desenvolvimento humano, cidadania, economia política, justiça. Como o tenho citado muitas vezes, é o mentor de vários textos sobre politização da justiça e ou judicialização da política. No quadro da amizade com Moçambique, foi padrinho do Presidente Joaquim Alberto Chissano, na sua graduação como Doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra.

A nossa amizade começou na década de 2000, tendo, mais tarde, aceitado ser meu orientador num doutoramento que ficou em banho-maria, porque decidi dar prioridade ao doutoramento em Direito. E voltarei, com ele mesmo como orientador para o referido doutoramento, enquanto tiver a graça de peregrinar nesta bela pátria terrestre.

Assim reportado, tenho credenciais para dizer que conheço o seu nível de exigência. O Professor Boaventura é muito exigente. Muito exigente, mesmo. Exige à altura da sua dimensão académica. Muitas vezes, essa exigência é mal entendida por certos candidatos. Eu disse bem: candidatos e não estou ainda a referir-me a candidatas.

Admitamos, ainda que por mera hipótese, que quando a mesma exigência que é feita a um homem se faz a uma mulher, o quadro psicológico feminino, possa disparar e alimentar a perspectiva de que o orientador pretende, com a sua acção ao exigir demais em razão da actividade académica, condicionar e criar fragilidade, pela sua condição de mulher, para objectivos passionais. Há, pois, sempre que dar o benefício da dúvida, enquanto não houver contraditório. Abstenho-me, por ora, de discutir as questões de fundo, havendo apenas a referir que os seus orientandos e as suas orientandas são, normalmente, pessoas adultas, de confortável liberdade de consciência e de acção e com liberdade de uso da razão e com acesso a todos os meios legais ordinários para fazer vingar a sua posição em tempo recorde, se não, pelo menos, oportuno, sobretudo, numa Universidade com mais de 734 de história,[2] como a de Coimbra – a mais antiga de Portugal.

A psicologia das massas de basta um rastilho o resto vai em cadeia pode ser perigosa. Com efeito, a produção de prova substancial para crimes de assédio sexual ou assédio moral é muto exigente, com o risco de se chegar no fim e se concluir que a montanha pariu um rato. O que, obviamente, seria bom para o mestre. Mas, sempre com o sentimento de que a isso poderia ter sido poupado.

Aqui chegados, para quem conhece o Professor Boaventura, sabe que ele é muito concorrido, porque ele gosta de um tipo de abordagem tal, que sai do status quo, que sai fora da caixa, gosta de abordagem inovadora e desafiadora, e, por causa disso, ele recusa muitos pedidos de orientação, quando não tenham de optar por essa via, quando seja para dizer ou defender mais do mesmo. Se ele não fosse tão bom, não seria concorrido. Se ele fosse toda essa pintura que é ampliada pela comunicação social, não seria tão concorrido como o é. Seria um académico comum, sem eira nem beira.

O Professor Boaventura é um património académico universal invejável. Tem sido a voz dos que não têm voz. Com efeito, por via das suas intervenções sociais nos fóruns económicos mundiais, tem contribuído para influenciar, positivamente, as políticas sociais e económicas, nacionais e internacionais. A acutilância dessas suas intervenções, em fóruns multilaterais, na Europa, na América e na África, tem-lhe granjeado não só mais prestígio, dos que lhes são ideologicamente próximos, mas também antipatias dos detractores das suas posições. Mas, um académico da sua dimensão, se não fosse irreverente não teria interesse para os seus seguidores (pupilos), nem para a academia e para a sociedade portuguesa, em particular, e para a sociedade global, em geral. Mesmo jubilado, nunca deixou de exercer a sua actividade docente; aliás, um homem da sua dimensão não jubila para ficar em casa a coçar o umbigo, enquanto houver conhecimento por disseminar.

A vida na terra não se resume em pôr ou não as mãos no fogo por alguém. Eu não abandono os amigos, mesmo em circunstâncias difíceis. A menos que sejam eles a abandonar-me, como tem acontecido com uns e outros. Mais ainda, não abandono o meu mestre. Não sou como Pedro, que recusou o seu mestre por três vezes.[3] Sempre que quis uma carta de recomendação, o Professor Boaventura ma concedeu; quando lhe pedi para ser meu orientador no tal doutoramento em banho-maria, aceitou de pronto. Por essa ligação, não lhe posso virar as costas e participar, antecipadamente, por omissão, nesse festival de destruição pública do carácter de um homem, a menos que, posteriormente, prova consistente, inequívoca e irrefutável me convoque a aceitar uma justa censura legal.

Faço questão que este artigo seja publicado, em plena Sexta-feira Santa, na minha página de internet – My Love da Fofoca Jurídica, com alguma audiência. Nesta data sagrada, nosso Senhor Jesus Cristo foi crucificado, à custa de uma vozearia irresponsável, que em julgamento sumário, sem direito a defesa nem contraditório, exigia a morte de um inocente. O relatório da Comissão de Inquérito não é vinculativo. Só um julgamento responsável, com trânsito em julgado da respectiva sentença pode nos levar a concluir por qualquer perspectiva, mas um julgamento na praça pública não pode ser defensável em pleno Século XXI. Se houver indícios bastantes para se levar o caso ao julgamento, pois, pode nem sequer ser justificável levar o processo à barra do tribunal devido à fragilidade dos indícios.

Lamento, igualmente, que para a mesma lama tenha sido levada uma Doutora, nossa concidadã, ou seja, moçambicana, em exercício de funções vão longos anos, no Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, como docente e investigadora, que prefiro omitir o nome, para a proteger, por não ter sido tão publicitada, entre nós, quanto o mestre, a quem expresso a minha solidariedade e votos de que a sua integridade se mantenha intacta, independentemente de qualquer vilipêndio público. 

Aos dois, o meu abraço fraterno de coração, na certeza de que estamos e estaremos sempre juntos!


[1]Disponível em https://www.ces.uc.pt

[2] Fundada em 1 de Março de 1290.

[3] Lucas 22: 54-71.

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