Exames de admissão ao Centro de Formação Jurídica e Judiciária: qualidade de ensino à prova?
Eis-me em mais uma aula virtual. Desta vez, começo por referir que há muita poeira[1] em volta dos exames de admissão ao Centro de Formação Jurídica e Judiciária. E quem fala destes exames, pode, com as devidas adaptações, se referir aos exames de admissão à Ordem dos Advogados. E, ainda com maiores adaptações, à Ordem dos Médicos e ou à Ordem dos Engenheiros. E a mais e mais ordens profissionais, com as adaptações, múltiplas ou plúrimas correspondentes. Mas, em todo o caso, não entro em seara alheia, como é de se imaginar. Do Centro de Formação Jurídica e Judiciária da Matola posso falar e “desfalar”, com propriedade, como se pode imaginar ou calcular.
Não se pode falar da qualidade de ensino versus qualidade dos formandos sem a sua contextualização. Eu já falei desta matéria, por várias vezes. Uma das vezes em que falei, e com inusitada contundência, foi na Delegação da Universidade Politécnica em Quelimane, quando a mesma completava dez anos de existência, a convite do Prof. Doutor Lourenço do Rosário, no ano de 2011, com o tema: Universidade: Locomotiva Social.[2] Mas, antes de mim tinham falado académicos com credenciais invejáveis. Depois de mim, também continuaram a falar sobre a matéria, académicos de elevada nomeada. Refiro-me, a académicos altamente credenciados – aqueles em quem nem seus pés mereço beijar (Lucas, 7:38, 44).
Tenho estado a ver ou telever, – passe a publicidade – na STV, um programa denominado: Sabes mais do que nós? Os concorrentes, muitos deles alunos do ensino superior, quando menos do secundário, não conhecem a localização dos distritos do nosso país nas respectivas províncias; não conhecem os nomes dos rios, montes, e locais históricos; não conhecem nomes recentes dos heróis da nossa história; não conhecem nomes nem feitos de escritores como, entre outros, Noémia de Sousa, Luís Bernardo Honwana (Nós matamos o cão tinhoso, livro que sempre foi, no meu tempo, de leitura obrigatória no nível secundário e médio); Mia Couto, José Craveirinha, Ungulani Va Ka Khossa; Albino Magaia; para não falar de forasteiros, entre os quais, os mais estudados no secundário na altura eram Uanhenga Xitu e Pepetela, de Angola, e claro, vários outros escritores de referência portugueses. Quando os estudantes não respondem a matérias tão simples como essas, algo não está bem. Isso resulta de uma deformação do sistema de ensino. O Sistema Nacional de Educação entrou em vigor em 1983. Não me atrevo a dizer que, pouco tempo depois, cada ministro que dirigisse a Educação introduzia alterações que punham em causa a sua subsistência, porque não faz parte da génese desta página falar de pessoas. Na verdade, nesta página, sempre que de forma responsável se faça uma observação crítica é para as instituições no seu todo e não para os respectivos titulares, por um lado, e, por outro, mesmo as críticas para as instituições são feitas no sentido da atitude do rato que morde o calo e sopra, sem causar danos irreparáveis. Somos partidários do bem e da harmonia social. Se Deus é por nós, quem está contra nós? (Romanos, 8:31).
De todo o modo, importa referir que são os técnicos que propõem e induzem os timoneiros a optar por cada procedimento. São eles que colocam os cenários e as alternativas para decisão. Para tomar uma ou outra posição. O pior cenário foi o da introdução de passagens automáticas. Ou seja, o estudante, tendo ou não conhecimento do que se exige para um determinado nível, tinha sempre que passar de classe. Assim sendo, para quê, então, estudar, se, mesmo não estudando, pode passar de classe? E, como se não bastasse, no ensino superior foi introduzido o penoso modelo de Bolonha, sem que as bases do ensino preparatório e secundário, ou mesmo primário, tivessem paralelo com esse produto importado. Mais recentemente, como não restava mais nada para escangalhar do Sistema Nacional de Educação, foi alterada a idade de ingresso na primeira classe, como se, na verdade, esse fosse o maior dos problemas do ensino em Moçambique! Foi, pelos vistos, necessário esperar trinta e oito anos para os técnicos da Educação descobrirem que o problema do nosso ensino está, afinal, na idade de ingresso na primeira classe! Nada contra as alterações para adequar o sistema ao estágio sócio-económico e cultural do nosso povo, como sói dizer-se. Sobre esta matéria, troquei impressões com alguém credenciado, cujo nome reservo apenas para mim, que, com muita amizade, me apresentou argumentos sólidos, dos quais, ainda assim, tenho a liberdade de discordar, o que, aliás, colhe cobertura ao mais alto nível, o do nosso Presidente da República, que sempre está aberto a ideias diferentes. De todo o modo, os meus agradecimentos pelos esclarecimentos que me foram dados. Agradeço, mesmo, do fundo do coração, pela consideração. Fico com os meus argumentos contrários, sem partilhá-los, para não parecer ingrato, depois de ser bem tratado e acarinhado! Dito isto, e para constar, nada mais resta, pois, a matéria foi levada à consideração do Governo, órgão de soberania competente para os procedimentos devidos junto ao órgão legislativo, também este órgão de soberania competente, o qual, em devido tempo, transformou a matéria em lei. O resto faz parte das lamúrias de um também professor primário, ultrapassado pelo tempo e pela história.
Eu e os meus contemporâneos fizemos a nossa quarta classe no tempo colonial. Até hoje, nos lembramos dos reis e das diversas dinastias portuguesas. Dos rios, lagos e lagoas, dos montes, montanhas e cordilheiras, das ilhas e arquipélagos, de Portugal, e os de todos os continentes. Da mesma forma que nos lembramos da história de Moçambique e de todos os seus vestígios históricos e geográficos. Com algum gosto, me orgulho de saber bem da tabuada, muito bem decorada; da gramática de José Maria Relvas, como sói dizer. Como fazermos que o estudante saiba isso hoje, que temos mais condições? Essa deveria ser a nossa preocupação! Investir nas novas tecnologias de ensino para induzir o estudante a saber mais em menos tempo. Como fazer para potenciar os estudantes mais dedicados? Aliás, sobre isso, o saudoso Presidente Samora Machel disse em discurso feito livro, Na Educação Só Investiremos em Terreno Fértil![3]
O saudoso Leito de Vasconcelos, jornalista da Rádio Moçambique, desenvolveu um programa de concurso radiofónico, na década de 80, denominado: Moçambique e a sua História. Não havia, então, as tecnologias dos tempos de hoje. Ele falava com os estudantes, via telefone fixo, serviço que era proporcionado pela empresa TDM (Telecomunicações de Moçambique – EE ou EP). Deste programa participaram alunos das Escolas Pré-Universitárias 1º de Maio (Nampula), Samora Machel (Beira – Sofala), Francisco Manyanga e Josina Machel (Cidade de Maputo). Os alunos desse tempo, já fruto da Independência, sem os recursos que hoje temos, revelavam muito conhecimento. E, não se justifica que, da década de oitenta para agora, tenhamos retrocedido de forma considerável.
A filosofia de passar a vida a atirar culpas para o ensino primário e deste para o secundário, menos para o ensino superior, não é sustentável. Não cola. A filosofia de que todos erram, menos eu, não é defensável. Porque, afinal, se eu sou o melhor, porque deixo passar quem não sabe para o mercado do trabalho? Tenho a sorte de ter dado aulas no ensino primário[4], por isso, sei como se trabalha lá. Sei como se rala lá em baixo. Cada um deve se ocupar de lapidar o diamante, na parte que lhe diz respeito.
Parece um paradoxo dizer isto, alguns quadros actuais foram produto do Sistema Nacional de Educação, que era bom na altura e agora parece que deixou de o ser. E são bons quadros! Outros, formados pelo Sistema Nacional de Educação, tiveram bolsas para continuar os estudos no exterior, e lá fora, foram melhores entre os seus pares. Então, onde e em que momento perdemos o controlo da situação?
Avaliemos, então, os dilemas que preocupam as nossas ordens e o nosso Centro de Formação Jurídica e Judiciária, com sede na Cidade Industrial da Matola.
Os cursos de Medicina e do Direito, no passado, tinham a duração de 7 e 5 anos, respectivamente. Hoje esses cursos têm a duração de pouco menos de 5 e 4 anos, respectivamente. Ou seja, o estudante fica menos tempo a aprender, e a pergunta que não se pode evitar é: o que nós podemos esperar dele?
O ensino superior foi sempre dotado de uma hierarquia vertical dos docentes, havendo regentes, nomeadamente, professores catedráticos ou professores doutores, mestres e licenciados. Mas, toda esta escada tinha na base os monitores que eram preparados para escalarem a hierarquia. Os monitores se habituavam a relacionar-se com os docentes e os estudantes, conhecendo as manias pedagógicas e formando uma reserva, uma almofada para o processo de ensino e aprendizagem. Hoje, não há monitores, porque não há recursos financeiros para os pagar. Mas, trata-se de uma mera questão de organização, pois, tal como há estágios não remunerados, acredito que haveria sempre monitores não remunerados, apenas em busca de tarimba e de informação curricular para o seu futuro profissional.
Assim, parece de se concluir que a baixa qualidade de ensino é consequência dos nossos próprios erros. Nós como nação e ninguém, individualmente. Não se pode querer uma qualidade no topo da hierarquia (a montante) quando toda a base (a jusante) esteja montada em construção movediça e, portanto, inconsequente.
A vida ensina-nos, ou, pelo menos, nos deve ensinar a não sermos de nem oito nem de oitenta. Na minha perspectiva, a avaliação não deve, nem visa, humilhar pessoas nem exacerbar protagonismos pessoais dos avaliadores. Isso lembra-me um juiz que fica feliz por produzir uma sentença que contenha muitas expressões latinas, ou expressões gongóricas, e eleva a sua auto-estima, mas não resolve o problema concreto do cidadão. O cidadão lê a sentença e, no final, fica sem saber se chora ou se ri, de raiva, porque a sentença é apenas uma diversão mirambolesca, mais própria de provir das nuvens de um extra-terrestre. O juiz poderia ter resolvido o caso concreto, se calhar sem mencionar uma única vez, algum brocardo latino. Ou seja, para resolver situações concretas exige-se pragmatismo. Os assuntos concretos dos cidadãos não são meras hipóteses da Faculdade de Direito.
Os exames de admissão são um dos critérios de selecção e não pode ser o único, tal como a democracia é uma forma de governação, mas não é a melhor, muito menos única. É que, perante muitos candidatos, que não podem entrar todos para o curso, há que se encontrar algum método para eliminar alguns e admitir outros.
Dos membros que integram os júris seria sempre bom equacionar se têm experiência docente ou formação pedagógica. Por mínima que seja! Não basta ter conhecimentos científicos; é preciso ter alguma experiência docente ou possuir conhecimentos pedagógicos para o exercício de docência, nomeadamente, para saber conceber exames, saber corrigi-los, saber avaliar o contexto e as competências do estudante, com base no plano curricular estabelecido.
E há sempre que ter cautelas, avaliando as situações, caso a caso, em concreto. Nem sempre os melhores estudantes são os melhores profissionais. É preciso pegar nos melhores estudantes e moldá-los para serem os melhores profissionais. Há melhores estudantes que não conseguem ser melhores profissionais, por lhes faltar a vocação. O conhecimento deve estar aliado à vocação. Mesmo os políticos preparados pelos professores. E não faltam exemplos. Winston Churchill, antigo Primeiro-Ministro do Reino Unido, não foi, de modo algum, reza a história, um estudante brilhante. Mas, foi dos melhores Primeiros-Ministros de que o Reino Unido se orgulha. Muita coisa se molda na prática da vida diária. Dizem os arautos da pedagogia que a prática é o único critério da verdade. Por isso, muitas vezes, é necessário reservar maior espaço ao estágio, para detectar a real capacidade do formando. E, muitas vezes, se defende que os estudantes vão saber sem saberem que sabem. Porque há muito conhecimento que lhes vai sendo inoculado para essa caixa gravadora que é o cérebro.
Do Centro de Formação Jurídica e Judiciária e na Ordem dos Advogados, espera-se que haja, nestas instituições, pessoas experientes ou com formação pedagógica, para tratarem da concepção, correcção e avaliação da capacidade dos candidatados a juízes ou procuradores ou advogados.
Em relação à docência, é preciso reconhecer que o estudante é fotocópia do Professor. Se o professor é bom, o estudante vai imitá-lo, caso contrário, vai desistir dele. E desistir dele significa que não vai estudar nem prestar atenção à cadeira dele.
O professor tem de saber que quando vê um aluno a sorrir tanto, sozinho, algo pode estar mal, consigo mesmo. Antes de se atrever a perguntar de que se está a rir, parece razoável acautelar-se, para não cair no ridículo! Provavelmente, eu correria o risco de, primeiro, levar a mão à cabeça para conferir se o cabelo está penteado ou se da careca está a despontar algum cabelo rebelde. Se, entretanto, tudo estivesse bem, então, iria passar suavemente a mão pelos botões da camisa para conferir se algum botão está fora do sítio ou desabotoado.Caso assim não seja, iria, sorrateiramente, levar a mão para conferir se o zip das calças está fechado. Só depois, me poderia atrever a perguntar a razão do regalo do estudante. Isso aprende-se na escola da vida. Na didáctica do dia-a-dia. Isso aprende-se na psico-pedagogia da vida quotidiana.
Também pode acontecer que haja alunos com atraso mental. Quando um estudante, perante uma piada do professor, há uma gargalhada geral e ele não sorri, e o faz passados três minutos, porque só naquele momento percebeu o conteúdo ou sentido da piada, então, algo está mal com o estudante. Ele precisa de ajuda. A menos que tenha sido mera distracção de momento a pensar no intervalo ou com preocupações caseiras de fome, questões de saúde, quando não seja mais grave, como o caso de maus tratos dos pais ou familiares (encarregados de educação), ou ainda não tenha dormido bem no dia anterior.
Se o professor sobe as calças até ao umbigo, os estudantes vão imitá-lo. Se o professor fala pausadamente, os estudantes vão imitá-lo. Cipriano Colaço Vasques, meu instrutor no Centro de Formação de Professores Primários de Inhamissa, que já não o vejo há vários anos, tinha uma pronúncia de causar inveja e os estudantes gostavam de imitá-lo. Falava ao estilo de padre[5], num tom muito mobilizador e ninguém faltava à aula dele. Tal como ele, havia outros instrutores, nomeadamente, Nataniel Muchanga e Teófilo Matsumane. Isac Langa, meu professor de matemática na quinta classe, que também não o vejo há vários anos, ensinou-nos matemática de maneira mais pragmática, de tal modo, que até hoje eu não temo essa cadeira. Pelo contrário, adoro matemática. E pergunto, porque não se potencia em boa dose a cadeira de matemática no secundário para os que vão seguir Direito? O jurista deve conhecer a lógica, a análise combinatória, a regra de três simples, as equações quadráticas, entre outras matérias relevantes. Não se pode pretender obter o todo amputando as partes. Há que formar integralmente o Homem.
Na minha tradição, há um ditado popular, segundo o qual, quando alguém com o dedo de uma mão aponta para o outro, os restantes apontam para si mesmo! Procurar as culpas nos outros é sempre um exercício fácil, menos em nós mesmos, o que é ruim!
Seria interessante irmos a um critério objectivo. Questionando, por exemplo, se nos últimos cinco anos, dos repescados pelo CFJJ, que frequentaram o curso, quantos reprovaram, no final? Que se saiba, muito poucos, ou nenhum. Ou não passam de um. Um azarado. Isto pode provar que o exame de admissão é, simplesmente, um critério de selecção na falta de outro melhor. Ou seja, se todos os que entraram, incluindo os repescados passaram, é que todos tinham bagagem para entrar, mais para uns e menos para outros.
Gostaria que os examinandos não fossem submetidos a provas de conhecimentos gerais na perspectiva do examinador, sem que haja critérios objectivos, nomeadamente, termos de referência obrigatórios para os docentes elaborarem a avaliação. Seria perigoso arriscar na perspectiva do sabe mais do que nós, do Joker, ou do elo mais fraco. Perguntar quem foi Michael Jackson, ou quem é o Peter Johon de Vos, ou Melissa Wells, porque não julgo que seja relevante para o futuro juiz ou procurador, porque vai lidar com casos concretos, que nada têm a ver com essas divagações gratuitas. Agora, já faz sentido perguntar se ouviu falar de Giovani Falconi (para julgar o crime organizado), de Pablo Escobar (para combater o crime organizado); faz sentido falar de Moçambique e dos países que estão à sua volta, mas, nem oito nem oitenta.
A UEM, na última avaliação das cem maiores universidades africanas, se posicionou no lugar número 35, variando para mais ou para menos, mas sem sair das quarenta. Estamos perante um critério objectivo, independente e inatacável. E não fica à mercê de subjectivismos.[6]
O nosso desafio colectivo deve ser o de formar os Homens à altura do seu tempo, e deixarmos de ser mais versáteis a falar, entretanto, menos propensos a aceitar mudanças. Na formação de padres, os seminários deixaram de leccionar o latim. Objectivo: formar o Homem à altura do seu tempo.Mas, há que ter em atenção sobre o que se elimina, pois, não se pode eliminar o que é importante! Ou, o que é muito importante!
A Faculdade de Direito da UEM já experimentou, antes da minha geração, um modelo de formação de concluir o bacharelato e ir ao sector produtivo. Ao regressar concluir a licenciatura e ir ao trabalho. Noutros quadrantes, em Coimbra, igualmente, se fez isso, por longos anos. Ao concluir o mestrado, ia-se ao mercado de trabalho. Depois, com a experiência profissional, fazer o doutoramento. E, mais tarde, com as provas de agregação para os docentes irem ascendendo na carreira com os vários escalões de Prof. Doutor (horizontal) até Professor Catedrático (na perspectiva vertical). De tal modo que, com o conhecimento teórico e a experiência prática, se moldava o formando, com um conhecimento, sem paralelo.
No meu tempo de Faculdade de Direito (graduação), havia todas as cadeiras, incluindo, Educação Física, Medicina Legal, Língua Portuguesa e Língua Inglesa (noções básicas). Também não sugiro que se vá a tanto! Educação Física, sendo boa, parece insustentável para a carga horária. Como tenho dito, nem oito nem oitenta!
Hoje, os estudantes ficam menos tempo na Faculdade (quatro anos), entretanto, não têm Criminologia, Medicina Legal; para determinadas matérias, simplesmente, fazem opção, entre Processo Civil e Recursos e Contencioso Administrativo; o Direito Criminal Geral num semestre, no qual se engole, o Direito Criminal Especial, no segundo semestre, como se não bastasse; em algumas universidades não se leccionam cadeiras processuais, o que é um desastre de formação congénita. Ou, como diria o saudoso Presidente Samora Machel: é uma bomba retardada!
O Direito Criminal Geral é uma cadeira para ocupar dois semestres e tanto, mais um, o terceiro, para o Direito Criminal Especial; a cadeira de Medicina Legal é, absolutamente, indispensável. Se não é leccionada nas Faculdades de Direito, ao menos, que integrasse o leque das disciplinas de formação profissional obrigatória no Centro de Formação Jurídica e Judiciária. De contrário, estamos a mentir para nós mesmos, a dizer que estamos a formar profissionais forenses, quando não. Ir a um julgamento perante um juiz, advogado ou magistrado do Ministério Público, que não sabe ler o relatório médico-legal, ou não entende o seu alcance, é, no mínimo, diversão ridícula. Ter um juiz, um procurador ou um advogado, que não saiba ler o relatório pericial da Polícia, é um aparatoso ridículo. É como ter pela frente um juiz, um procurador ou um advogado, num processo de acidente de viação, sem que, pelo menos, o juiz tenha carta de condução. Ou tendo a carta, nunca tenha conduzido carro algum. Até é mais grave que ter um solteiro a dar conselhos aos casados, sobre a vida conjugal.
Ora, no caso criminal, se o julgador não domina os laudos médicos e ou periciais, ou seja, o juiz é ignorante dessa matéria, o procurador acusador e fiscal da lei também o é, e, na mesma proporção ou em igualdade de circunstâncias o é também o advogado, defensor do arguido no processo, está percorrido meio caminho para a consagração da injustiça e desídia, ou, quando assim não seja, uma justiça ao acaso, ou ainda, uma justiça de senso comum onde não é aplicável, pois se aí fosse o caso, tal matéria não careceria de estar sob alçada dos tribunais formais do Estado, já que, então, a perspectiva seria a de acomodar soluções de equidade (ex aequo et bono).
Outra vertente que já referi, é a das Faculdades ou Escolas de Direito que não leccionam disciplinas de Direito Processual. Nestes casos, o Centro de Formação Jurídica e Judiciária veda o ingresso pela componente documental, ou seja, nem sequer são apurados ao exame de admissão. Mas, há situações de frequência por opção nas Faculdades, nomeadamente, alguns estudantes optam por Processo Executivo e Recursos, outros optam pelo Contencioso Administrativo. É claro que se é opção, não seria para optar pelas duas alternativas. Ou uma ou outra. Nunca as duas. No entanto, no momento de busca de actividade profissional, quando o Centro de Formação Jurídica e Judiciária lança o concurso para magistrados aparecem os que fizeram Contencioso Administrativo a concorrer para a magistratura comum. Ou, nas poucas vezes que se lança concurso para a magistratura administrativa aparecem os que frequentaram e fizeram Processo Executivo e Recursos a concorrer para a magistratura administrativa. Não me atrevo a dizer que se trata de uma salada russa, pois, não quero ser persona non grata para a Rússia, esse país sucessor de um dos nossos aliados naturais (URSS).
Na verdade, não se pode baixar a qualidade de ensino, retirando tempo, do ponto de vista de anos de formação ou ensino e do ponto de vista de presença do estudante na escola, ou de disciplinas curriculares e pretender-se que o resultado seja o mesmo com o dos anos anteriores ou melhor ou acima das expectativas. Ensaiar erros, à guisa de mudanças benéficas e esperar resultados positivos, é, no mínimo, incoerente, senão mesmo inconsequente. A qualidade de ensino, por esta via, está à prova!
Assim, espero que todos nós tomemos consciência da situação e estudemos o assunto, com maior seriedade, sem atirar pedras para ninguém, pois, de contrário, há muita poeira nesta matéria!
E, para hoje, por aqui ficamos conversados!
[1] Citando de memória, Armando Emílio Guebuza, antigo Presidente da República de Moçambique.
[2] O Rugido da Toga: Lições do Juiz Paulino I, Alcance Editores, Maputo, pp. 146 e ss.
[3] Colecção: Palavras de Ordem, Edição do Partido FRELIMO, Maputo, nº 20.
[4] Felizmente, sou também professor primário de formação (6ª + 1), pelo Centro de Formação de Professores Primários de Inhamissa de Gaza, Xai-Xai (1978). Agora virou Instituto.
[5] Como se sabe, os padres estão bem preparados para uma leitura e fala em público, o que constitui um grande capital.
[6] Os dados variam de ano para ano. E as fontes são das mais diversificadas, mas fiáveis.
Muito interessante o artigo! o CFJJ, precisa rever os seus criterios de selecao dos candidatos.
Uma reflexão que me tocou a fundo.
Me entristesse lembrar que na década 80/90 muitos professores que formaram grandes quadros nedte país nem licenciatura tinham na altura. Hoje temos muitos Doutores, deviamos ter um pingo de vergonha.
Excelente abordagem. Muito profunda e com uma linguagem que não engana ninguém. É preciso mais textos assim para atacar os problemas de hoje com muito saber. Parabéns ao autor
Concordo plenamente, o artigo remetente nos uma reflexão, mal que se aboliu palmatória nas escolas primárias e secundárias o nosso sistema educacional virou para o pior.
Ora vejamos, os alunos agora não fazem trabalho de casa (TPC) porque sabe que o professor não vai falar nada, enquanto que no tempo da vara ou régua, meu Deus! O aluno preocuva se em fazer e saber para apresentar na aula a seguir.