GERONTOCÍDIO: INFANTICÍO DE CRIANÇA GRANDE À SOLTA!

As ocupações académicas têm contribuído para o atraso das aulas virtuais, mas o compromisso que assumi com os leitores desta página do My Love da Fofoca Jurídica fala mais alto, para o que, cá estou cumprindo a minha palavra.

Gostaria de dar conta de duas notas prévias. A primeira prende-se com a partilha feita pelo Bispo Dom Dinis Sengulane, ao publicar as suas Memórias de Peregrinação por Este Mundo Belo, para além de ter sido obsequiado pela homenagem através do livro, Olá Paz, Homenagem a Dom Dinis Sengulane, Bispo Emérito da Diocese dos Libombos, editado pelo jornalista Hélio Filimone. Foi uma cerimónia sobejamente concorrida por familiares, amigos, religiosos, políticos, académicos e cidadãos em geral. Bem-haja Dom Dinis Sengulane!

A segunda, e igualmente importante, curvo-me perante a triste realidade da morte, neste caso, a do Eng. José Eduardo dos Santos, antigo Presidente da República de Angola. Tive o grato privilégio de, integrando delegações, por ele, enquanto estadista, ser recebido, com muita cordialidade. Herói da Pacificação e de uma verdadeira Reconciliação Nacional de Angola. Como algo de comum na sina dos heróis, não deixou de ser idolatrado por uns e odiado por outros. Que Deus, Pai Todo-Poderoso, dê à alma de José Eduardo dos Santos a merecida paz Divina diferente da paz dos Homens (João, 14:27)!

Hoje, vamos falar de gerontocídio. Debalde procurarão este crime na nossa legislação, pois não o acharão. Por gerontocídio pretendo referir-me ao assassinato, mais ou menos lento ou mais ou menos rápido, de pessoas de terceira idade. Refiro-me aos muito adultos.

A Constituição da República, no seu artigo 124, com a epígrafe terceira idade dispõe o seguinte: 1: Os idosos têm direito à protecção especial da família, da sociedade e do Estado, no convívio familiar e comunitário e no atendimento em instituições públicas e privadas, que evitem a sua marginalização. 2. O Estado promove uma política de terceira idade que integra acção de carácter económico, social e cultural, com vista à criação de oportunidades de realização pessoal através do seu envolvimento na vida da comunidade.

Desta construção, parece evidente que o legislador constituinte pretende considerar que o idoso é igual à terceira idade e fora deste nível, o Estado não protege mais. Pululam teorias que indicam o idoso ou pessoa de terceira idade estar compreendida entre 60 a 74 anos. De acordo com essas mesmas teorias, ancião situa-se entre os 75 e 90 anos e velhice extrema com mais de 90 anos. Outras construções consideram idoso acima de 65 anos nos países desenvolvidos e 60 nos países subdesenvolvidos. A ser assim e a crer-se nelas, segundo esta perspectiva, o Estado se preocuparia pela protecção amputada e restrita apenas à pessoa idosa ou pessoa da terceira idade, como conjecturado no quadro constitucional (constituição programática), deixando de lado, os estágios seguintes, nomeadamente, os de ancião e de velhice extrema. Para complicar a equação, dito de outra forma, o Estado acharia que todos os moçambicanos deveriam terminar na terceira idade, entre 60 a 74 anos e nada mais. Embora a realidade factual seja essa, infelizmente, a construção constitucional e legal não deveria assim ser, pois deveria estar aberta também para as pessoas que ultrapassam essa fasquia, beneficiando da bênção Divina.

De todo o modo, para mim, adulto não é apenas o da terceira idade, é todo aquele que cresce e tenha pouco mais de sessenta anos, mesmo reconhecendo que há pessoas mais novas que se tornam rapidamente adultas e há pessoas adultas que não crescem: dai que muito se diga que a idade é apenas um número, pois tudo depende da nossa mente.

Não achei na legislação ordinária alguma definição sobre o que seja adulto, nem mesmo de pessoa idosa ou da terceira idade. Mas, facilmente se localiza no Código Civil a indicação da maioridade civil, ao estabelecer o artigo 122 que: São menores as pessoas de um e de outro sexo enquanto não perfizerem vinte e um anos de idade. Assim, a contrario sensu, são maiores quando perfaçam os vinte e uma anos de idade. Há, porém, que distinguir a maioridade civil da maioridade política, que se situa em dezoito anos, pois, de contrário, teríamos deputados maiores de dezoito e menores de vinte e um anos, de fralda em punho, no púlpito da Assembleia da República, acompanhados pelos pais para intervirem em sua representação, o que, em toda a sua linha, seria caricato e catastrófico.

Assim, ao falar de adultos, quero me referir às pessoas maduras, experientes, porque crescidas e cheias de muitas lições e histórias da vida, daquelas pessoas que são um património social imaterial. As pessoas adultas, muitas vezes, parecem estar a voltar ao estado frágil de criança, a partir de uma certa idade e precisam de protecção para poderem se valer a si próprias. Perante este quadro, ficam vulneráveis ao gerontocídio. O gerontocídio é, por isso, um infanticídio ao contrário. O infanticídio é o assassinato do menor pelos seus progenitores, e, o contrário é o gerontocídio, que constitui o assassinato dos progenitores pelos mais novos. Na verdade, o infanticídio está previsto na nossa legislação penal, com um poder de abrangência muito limitado, que não se revê na leitura abrangente que aqui defendo. Com efeito, o artigo 163 do Código Penal, com a epígrafe infanticídio, dispõe que a mãe que matar o filho durante ou até quinze dias após dar o parto, ainda sob sua influencia perturbadora, é punida com pena de prisão de um a cinco anos. Esta conduta é equiparada aos maus tratos infringidos a um menor ou pessoa indefesa que é, justamente, punida com a mesma moldura penal, nos termos do artigo 182 do Código Penal.

Cada dia que passa, cada um de nós deve indagar-se a si próprio se não está a assassinar um adulto ou se não está a assassinar uma criança, o que, de uma ou de outra forma, é igual na diferença. Assassinar uma criança é muito pior, porque esta nem teve oportunidade de fazer o percurso de adulto. Assassinar um adulto equivale a assassinar uma criança grande, já que, devido à sua fragilidade, não tem as mesmas energias para se defender dos ataques exteriores, o que corporiza as mesmas fragilidades de uma criança. 

Quando, num autocarro, não damos assento nem prioridade ao adulto para sentar, estamos a contribuir para a sua degradação física e moral; quando, na fila do Banco, não damos prioridade ao adulto, alegadamente porque estamos apressados, estamos a contribuir para a degradação física e moral do adulto; quando no hospital, não damos prioridade ao adulto na fila de atendimento, estamos a contribuir para a sua degradação física e moral.

Na Europa, é comum os adultos serem mandados pelos filhos ou pelo Estado para centros de asilo ou lares. Em África, são mandados para a rua ou para o abandono. Há filhos que abandonam os pais, deixam-nos morrer de fome, sem comida nem tratamento e cuidados médicos. Não se pode, porém, generalizar, pois, há filhos que não ajudam os pais, porque não têm como ajudar, por não terem para si próprios, mas, há os que têm demais e não se lembram de ajudar os pais ou os tios e tias. Mais grave, sem o seu carinho, uma vez que um simples olá, um simples telefonema, um simples abraço, um simples gesto pode ser consolador para uma pessoa crescida. O tédio e o isolamento, a falta de amparo e de carinho são meio-caminho andado para a frustração e morte psicológica do adulto.

Muitas vezes se usa um refrão corriqueiro segundo o qual os velhos são as nossas bibliotecas. Mas, quantas vezes, os pais não são acusados de feitiçaria, muitas vezes mortos pelos próprios filhos, enterrados vivos ou sujeitos à pancada até ao último suspiro, alegadamente, por serem feiticeiros ou porque comem muito e acabam o rancho?!

Há histórias de filhos que chamam os pais para lhes dizer que pretendem andar à procura dos males que lhes ocorrem, juntos dos charlatães. São, efectivamente, estes que dizem, de boca cheia, que quem sabe disso são os pais e lhes pedem para ir com eles aos referidos charlatães para certificar, confirmar e infirmar as alegadas verdades. Quando estes negam enveredar por esse caminho, então, são maltratados, por, alegadamente, a profecia ser verdadeira. Um pai ou uma mãe fez crescer o filho ou a filha, suportou todas as tempestades da vida com ele, para, depois de crescido ou adulto, já procurar feitiço, para eliminar o seu filho(a) em idade adulta!… Parece uma perspectiva inverosímil.

A propósito do feitiço, em algumas zonas do nosso país, entende-se que dando alguém a beber uma certa dose de um produto, por exemplo, chá duma planta com sabor amargo, pode levar o culpado a confessar ter sido ele a enfeitiçar determinada pessoa, ou a confessar porquê é que a sua machamba[1] produz mais do que a dos outros, outros atiram água quente ou lançam ao fogo o suposto feiticeiro, no pressuposto de que, se o for, se vai queimar, mas se o não for o não vai, etc. O que é comum é que o mestre-de-cerimónias que distribui a porção, normalmente escolhe a vítima a quem vai dar uma porção maior, e, basta que entre em alucinação, para que passe a ser tratado como sendo ele o feiticeiro. Quanto às queimaduras, é obvio, que a vítima queima, pois o fogo não vai poupar a ninguém, feiticeiro ou não. Este tipo de práticas não brilha aos olhos do mundo moderno, por serem, claramente, contra legem.

É uma bênção divina ter os pais adultos vivos, pois, muitos há que não gozam desse privilégio. Um pai que vê os filhos casarem, os netos a graduarem-se e a casarem, é também um privilegiado, e, consequentemente, uma bênção para esse filho e para esse neto. Ora, atirar isso tudo ao lixo e considerar o pai feiticeiro é assassiná-lo, ainda vivo.

Um meu amigo, já falecido, espero que esteja na Santa Graça Divina, à espera da prometida ressurreição, pelo Nosso Senhor Jesus Cristo, contava e dizia sempre algo, que ainda me recordo de cor e salteado: amigo, nunca vás à casa do teu filho pedir uma sopa. Ele pretendia dizer que enquanto se tem condições era preciso criar reservas para aguentar com estabilidade económica e financeira ao longo da idade adulta. Em conversa explicativa, ele desenvolvia dizendo que, se tu tiveres que fazer isso, ir à casa do teu filho pedir uma sopa passarás por muita humilhação. Ou seja, indo à casa do teu filho, ao tocar a campainha, virá um empregado ou a tua nora, a espreitar pelo ocular da porta, para, depois voltar-se para o teu filho e dizer para aquele: é o teu pai. Essa mensagem está sendo passada para o teu filho que está sentado no sofá da sala a ler jornais ou a assistir a programas de televisão. Enquanto isso, a tua nora chama o empregado e diz, dá à volta e vai levar o avô (ou o pai do patrão) para o lado da cozinha. Servir a ele qualquer coisa para comer e depois diz ao motorista para ir deixá-lo em casa ou dê dinheiro de chapa cem para ele regressar a casa. Assim, com este desenho, tu foste para comer e não para cumprimentar e ter o conforto e afecto do teu filho e da tua nora, muito menos para ter contacto com os teus netos. Entretanto, tu quando não dependes dos teus filhos para a tua sobrevivência, serão eles a vir sempre, inclusive virão deixar os netos em casa do avô, porque sabem que encontrarão as mesmas ou melhores condições que as de suas casas.

Equiparável a esta história da sopa, outra há que tem paralelo com esta, que um conhecido meu contou, a propósito de diversidades de culturas, e, consequentemente, sobre a diversidade da forma de encarar os afectos familiares. Certo cidadão foi a Londres para visitar o seu irmão mais novo, que lhe dera conta do seu recém-celebrado casamento, do qual já havia um filho. Comunicou com antecedência que iria, não tendo recebido, entretanto, resposta negativa. Depois de desembarcar no aeroporto, feliz, deu conta ao irmão mais novo que já estava naquela cidade. O irmão mais novo perguntou, então, ao mano em que hotel iria se hospedar. Deu para perceber que a coisa estava ficando azeda. Como não tivesse reservado hotel algum, disse que procuraria um e daria conta. Hospedou-se, então, numa pensão, convencido que tal era um simples equívoco, pois logo seria resgatado para a casa do irmão mais novo. Debalde, aquele foi visitá-lo dois dias depois e quis saber quando é que ele, entretanto, regressaria à proveniência (Moçambique). O visitante ficou duas semanas em Londres, tento visto o seu irmão mais novo apenas uma vez, por menos de vinte minutos. Não viu e nem conheceu a cunhada (nora, que é a esposa do irmão mais novo, para nós outros, na perspectiva africana), não viu o neto e nem sequer chegou a ir à casa do irmão mais novo, nem mesmo a passar uma refeição ou sequer um lanche com ele ou com eles.

Diz um ditado popular que quem semeia ventos colhe tempestade! Há que ter em conta, também, que alguns adultos, da minha idade para cima, podem ter semeado o vento para colher a sua querida tempestade. Um filho que assiste à violência doméstica, permanentemente, entre seus pais ou ele próprio é vítima de violência, um filho que não recebe os cuidados e carinhos paternos em miúdo pode crescer a formar um espírito de vingança, sem igual. Como docente, oiço histórias de pais que desligam a luz, quando os filhos estão a estudar, alegadamente, porque estão a a gastar energia e ao desligar, estariam, então, a reduzir os custos. Aliás, de um meu conhecido, já presenciei o filho que, na sua festa de graduação, não convidou o pai para a mesa de honra, lugar que foi ocupado apenas pela mãe e ele remetido à mesa três, pelas divergências entre ambos em fase de estudo. Há casos de pais que falam constantemente alto para as crianças, berrando com elas ou educando à pancadaria desmedida, ou seja, indo além do simples carolo. Esse exercício pode ser uma operação de plantio para uma péssima colheita. Crianças que crescem nessas condições podem degenerar no futuro e optarem por fazer justiça terrena, demonstrando a bravura do inferno por cá, contra os seus antigos educadores, ao invés de remeterem tudo ao juízo final – julgamento celestial.

As atitudes dos padrastos e das madrastas, com relação aos enteados, enquanto crianças, ora porque estes comem muito, ora porque são zaragateiros, ou ainda, porque obrigados a casar ou a ter relações sexuais insinuadas antes do tempo, podem ter muito impacto na relação futura entre pais e filhos ou enteados. Aliás, são várias as vezes em que nos são dadas a conhecer pela comunicação social situações de padrastos que enveredam por relações sexuais forçadas com suas enteadas ou com menores, como se não houvesse mulher adulta para uma condigna relação. Isso marca, profundamente, pela negativa, uma criança.

Aliás, é preciso reconhecer que a Constituição da Republica de Moçambique protege a infância, a juventude e promove a educação destas camadas sociais, que não podem ser abandonadas à conveniência de momento.

Aqui chegados, importa dizer que, todos nós temos que valorizar a pessoa adulta, no que pode até cheirar a puxar a brasa para a minha sardinha. E as pessoas adultas também deverão ter preparado o seu futuro, valorizando os seus filhos em idade menor. Esses adultos também que se tenham preparado para não ir às casas dos filhos pedirem uma sopa!

De todo o modo, pedir também aos mais novos, aos jovens, para não enveredarem pelos homicídios, mais ou menos lentos e mais ou menos céleres contra os adultos, para o que, cada um se deve perguntar se está a fazer o melhor que pode para salvar um adulto, da mesma forma que se deve fazer para salvar e proteger os menores, os Continuadores da Revolução, como diria o saudoso Presidente Samora Moisés Machel!


[1] Campo agrícola, em português vernáculo.

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