NÍVEIS DE CORRUPÇÃO: DE BAGATELA À MUSCULADA!
As minhas ocupações académicas não permitiram que apresentasse com a regularidade habitual as minhas aulas virtuais. De todo o modo, cá estou eu cumprindo com a minha aposta neste My Love da Fofoca Jurídica.
A corrupção tem muito que se lhe diga. Cada um à sua maneira fala sobre a corrupção. Mas, sobre a corrupção posso ousar referir que já se disse tudo. O que falta mesmo é combatê-la, efectiva e eficazmente. Leva o seu tempo. E a escola é fundamental na preparação do Homem de amanhã. Essa escola que tem problemas de livros, um pouco ao azedume da corrupção. A família tem um papel relevante. Essa família que pouco se revê na conversa à volta da lareira, devido ao domínio da era digital, ou seja, a família reúne-se, fisicamente, mas cada membro ocupado com o seu brinquedinho, o telemóvel. As Igrejas têm um papel relevante. Os pastores do rebanho do Senhor têm responsabilidade acrescida para a moralização da sociedade.
É a corrupção que nos faz ter escassos recursos para, por exemplo, reconstruirmos a Estrada Nacional nº 1, na versão que nos foi dada a ver pela STV. A Estrada Nacional nº 1 é a maior reserva material de representação da Unidade Nacional, pelo fenómeno da ligação territorial do Rovuma ao Maputo. E, infelizmente, está como vimos.
Dos níveis de corrupção já falei numa palestra que orientei na Procuradoria-Geral. Depois que eu falei, para o enriquecimento da nossa perspectiva nacional, esperava um debate de uns a concordar e de outros a não concordar. Agrupei, de forma originária, os níveis de corrupção em cinco, todos eles nocivos em proporções diversas.
É comum defendermos que na corrupção não há a pequena nem a grande. A corrupção é uma questão de atitude, de comportamento desviante. Mas, convenhamos, ainda que o queiramos, a pequena corrupção equipara-se a ofensas corporais voluntárias, tal como a grande corrupção equivale, à partida, a andar à volta de homicídio até ao genocídio.
De outro modo, não seria sustentável a diversidade de punição a punição de forma diversa à de ofensas corporais ser igual à do homicídio.
Vamos, então, aos níveis de corrupção que coloquei em debate, na minha perspectiva:
- O primeiro nível – é o de corrupção corriqueira ou corrupção bagatela do professor na venda de vaga de matrícula ou de nota, do enfermeiro ou da parteira, do membro da Polícia de Trânsito para não emitir uma multa. Abrange, também, a parte residual que não cabe no segundo nível.
- O segundo nível – corrupção braçal, das pequenas UGEA nos distritos, dos que vendem licenças das várias actividades, desde autorização para a caça, dos funcionários que vendem facilidades de obtenção de DUAT relativos a terrenos ou mesmo dos que compram, dos que perdoam multas em exercício de actividades comerciais, cobrando-as, no entanto, para si mesmos, dos que desviam os fundos florestais comunitários ou desviam doações para pessoas necessitadas (Idai); incluem-se, também aqui os que fazem utilização indevida dos cartões de crédito corporativos das empresas públicas ou estatais, bem assim, dos nossos membros da PRM ou do SERNIC na venda da facilidade de destruição de processos ou de provas para ilibar criminosos; aqui inclui-se também a corrupção ignorante, como é o caso do modus faciendi, não sei se transitou em julgado, mas não estou a emitir juízo de valor, estou a falar do caso, vulgo FDA. Abrange, também, a parte residual que não cabe no terceiro nível.
- O terceiro nível – corrupção administrativa, que compreende a relacionada com as UGEAs que movimentam grandes volumes de negócios, instaladas nas direcções provinciais e nos ministérios, gestão propositadamente deficitária de concursos públicos, sobrefacturação ou subfacturação, concursos simulados e combinados, adjudicações directas fictícias associadas à falsificação de documentos, compra e venda de audiências com os titulares de pelouros ou em instituições de soberania do Estado, ofertas de bens de luxo, tais como imóveis e viaturas de nomeada, bem assim, actos de corrupção dos oficiais aduaneiros e alfandegários, ou mesmo, todos os agentes da Autoridade Tributária, dos procuradores e juízes a todos os níveis, na venda de facilidades para ilibar criminosos ou na compra e venda de despachos ou sentenças favoráveis; aqui estão também, como grandes mentores e dinamizadores, os advogados, os despachantes, as agências imobiliárias, as agências de viagens, e ainda, os envolvidos na facilitação da circulação da droga, armas de fogo ou tráfico de pessoas, envolvimento do pessoal das cadeias na soltura ilegal ou arquitectada de reclusos, entre outros. Abrange a parte residual que não cabe no quarto nível.
- Quarto nível – corrupção musculada, a relativa às falcatruas na construção de estradas e pontes, portos e aeroportos, compra e venda de aeronaves, compra e venda de carruagens ferroviárias; aqui incluem-se situações de locomotivas ou aeronaves ou ainda barcos que vão, aparentemente, ao estrangeiro para reparação e nunca mais voltam e em troca os gestores embolsam fortunas, e outras grandes obras públicas, tais como, hospitais, escolas, cadeias, complexos desportivos, entre outros. Estão aqui envolvidos os traficantes de todos os níveis de madeiras, cornos de rinoceronte, de armas, de droga e de pessoas, traficantes de mercadorias e falsificadores de contratos internacionais. Abrange, também, a parte residual que não cabe no quinto nível.
- Quinto nível – corrupção tentacular – esta tem em vista arruinar os Estados, empobrecer os Estados. Os criminosos colocam na sua dependência permanente Estados inteiros, manipulando a seu bel-prazer os diversos órgãos públicos, incluindo, os de soberania. Esta é uma corrupção com pontos localizados internamente e com conexões internacionais muito fortes.
- A corrupção dos dois primeiros níveis (corrupção corriqueira e corrupção braçal) é a corrupção que constitui crime comum. A corrupção do terceiro nível (corrupção administrativa) é uma corrupção intermédia que pode pender para crime comum ou para nível mais elevado do crime organizado. Tanto a corrupção do quarto nível (corrupção musculada) como a do quinto nível (corrupção tentacular) integram a grande corrupção, corporizam o crime organizado, com alto poder de intimidação e violência, a tal ponto que quem entra nela, dela já não consegue sair, pois quem tenta sair, consegue, mas sem vida, já que, aí, funciona a lei da bala.
- Mas, como já referi, quando falamos de pequena e grande corrupção, dizemos que as tratamos da mesma maneira. Trata-se de um jogo de palavras. Eu também falo sempre assim. Mas, na verdade não é assim. A pequena corrupção é de fácil recolha de prova. A grande corrupção, não. A pequena corrupção equivale ao crime formigueiro. Mas, a média corrupção equivale aos crimes de roubo, vulgo, assalto à mão armada. A grande corrupção do nível cinco equivale ao extermínio em massa, genocídio, crimes contra a humanidade. Daqui se intui que a pequena corrupção não pode ser igual à grande, do ponto de vista de impacto e do resultado.
- Escrevi, noutro momento, que: o crime organizado se esforça, e infelizmente, consegue-o, penetrar nas entranhas dos poderes legislativo, executivo e judicial. Penetra na máquina policial e manieta todos os que se dedicam à causa da maioria. E, dizia eu, que, como é sabido, os Homens podem ser fortes, mas perante tanta tentação material, os fracos acabam caindo, como tantos Homens entres nós caiem nessa longa marcha contra a corrupção.[1]
- A pergunta é: e tu, caro concidadão, contribuis para o combate à corrupção? Ou, pelo menos, não inviabilizas esse combate? Se não podes ajudar, pelo menos, não impeças o sucesso dessa luta!
Assim seja!
[1] A Criminalidade Global e a Insegurança Local: o Caso Moçambicano, In: O Rugido da Toga: Lições do Juiz Paulino I (2016), Maputo, Alcance Editores, 1ª edição, pp. 176 e ss.