Racismo: um fenómeno de raça, da cor da pele, de pobreza, de atitudes e de mentalidade tacanha!

Cá estou de novo, com mais uma aula virtual e hoje com o tema “Racismo: um fenómeno de raça, da cor da pele, de pobreza, de atitudes e de mentalidade tacanha”. Creio que o título, só por si, diz tudo!

De uma simples cultura geral, se depreende que racismo é uma doutrina ou teoria de afirmação de superioridade de certa ou de certas raças sobre outras raças, assentando a alegada superioridade no “direito” de aquela(s) dominar(em) ou, mesmo, de aniquilar(em) ou suprimir(em) outras raças.

Nos tempos idos, o nazismo constituiu a face mais radical do racismo, uma doutrina político-social totalitária fundada por Adolfo Hitler, que pregava a superioridade da “raça ariana”, em prejuízo das restantes. Mais recentemente, na nossa região, o racismo se manifestava por via do Apartheid da África do Sul e da Rodésia do Sul, hoje Zimbabwe, entre outros.

Há que ter muito cuidado com o fenómeno do racismo, pois o mesmo constitui meio-caminho andado para extremismos de má memória para a história mundial, nomeadamente, o nazismo e o fascismo.

Mia Couto, um dos mais conceituados escritores dos nossos tempos, em defesa da honra e dos valores humanos, escreve em livro de contos, que cada Homem é uma raça, a minha raça sou eu mesmo. A pessoa é uma humanidade individual.[1] Parece ter total razão, ou não seria o Mia que o conhecemos. Na verdade, cada um é o que é e ninguém é outra pessoa se não o seu ser, mesmo.

Há que reconhecer que existe no universo cidadãos que se buscam perfeitos no seu ser e no seu estar, ou pelo menos lutam para isso, sem complexos de superioridade nem de inferioridade ou lutam para manter a individualidade da raça que cada Homem é. Pessoalmente, já estive um pouco por todos os continentes e sempre me senti confortável com a minha cor da pele e tenho amigos de todas as cores e culturas, dentro e fora do país. Gosto da minha cor da pele e também gosto de ver os meus amigos de cor de pele diferente como eles são. Os meus amigos são bonitos nas suas cores. Tal como eu me acho bonito na minha cor.

Este artigo surge na sequência das imagens que nos foram dadas a conhecer, a ver e a telever, a partir dos Estados Unidos da América, com a morte de George Floyd, vítima da brutalidade da acção policial, em razão da sua cor da pele, ou seja, por ser negro. Aquelas imagens não são isoladas. Repetem-se nos EUA, várias vezes. Repetem-se noutros países pelo mundo fora, por motivos racistas, várias vezes. Aquelas imagens chegaram até nós graças a alguém que tomou a iniciativa de as gravar e distribuir pelas redes sociais, pelo mundo fora. Imagens como aquelas repetem-se em vários países do mundo, não só com motivação no racismo, mas, essencialmente, por simples violação dos direitos humanos. Ou seja, qualquer motivo serve para se matar alguém e isso se considerar crime, com maior ou menor dose de gravidade.

De todo o modo, há que fazer uma delimitação positiva e negativa do que vamos tratar. Aqui, vamos tratar do racismo e suas consequências, pondo de lado, as violações relativas aos direitos humanos, que poderão ser objecto de outra aula, mesmo reconhecendo que casos como o de George Floyd são, simultaneamente, violação dos direitos humanos e racismo. Violação dos direitos humanos, porque a acção criminosa é praticada por um agente do Estado, sabido que estes são oponíveis ao Estado. Racismo, porque, como é óbvio, se tratou de uma birra pessoal do agente em razão da cor do capturado. Alguém que não mais estava em condições de agir de outro modo, pois a sua resistência, a ter havido, estava completamente dominada. Assim, recapitulando, esta aula trata, apenas, da componente racismo, deixando para um futuro próximo a abordagem sobre os direitos humanos.

Começo por contar uma história, um episódio real. Viajei em missão de serviço, com uma delegação para o Panamá, onde fomos participar numa reunião internacional promovida pelas Nações Unidas contra a corrupção. O regresso foi pela rota Panamá, Bogotá, São Paulo, Johnnesburg, Maputo. Em escala de duas horas em São Paulo, eu fui à sala de espera, vulgo lounge, e os meus colegas foram fazendo tempo a ver montras. Eram dois colegas, pois ao todo éramos três. Chegado o tempo, um dos colegas foi ao balcão de Migração. Ou seja, para vir ao meu encontro no lounge era preciso passar do guichet da Migração. Eis que chegada a vez dele, e porque ele era quem seguia na ordem da fila, o oficial da Migração chamou a pessoa que estava atrás do meu colega, um jovem, de raça branca, que não tinha causa justificativa para prioridade especial. Recordo que têm prioridade, entre outros, os doentes, deficientes físicos, mulheres grávidas e velhos. O jovem branco ainda se deu ao luxo de dizer que quem seguia era a pessoa que estava em frente de si. O meu colega ainda perguntou se o oficial da Migração não estava a ver que era ele quem seguia, mas de nada valeu. O oficial da Migração foi intransigente e inflexível. Manteve a sua posição chamando o que lhe convinha em razão da cor da pele. Os colegas não me reportaram antes de o avião levantar o voo, porque acharam que eu poderia ter causado um escândalo diplomático, tanto mais que estávamos todos com passaportes diplomáticos. Eles estavam mais preocupados em chegar, o mais depressa, em casa. Apenas reportaram-me em pleno voo. Eu que tenho medo do ar, fiz de tudo para estar calmo, de modo a que o sangue não me subisse ao cérebro. Mas, mesmo em terra, não sei se eu desceria a tão baixo nível de ignorância indesculpável. Estava claro que era problema de racismo descarado.

Mas, muitas vezes, pensamos que o racismo é só de branco para preto, ou vice-versa. Não é tão linear assim. O próprio preto pode não gostar da sua cor da pele. O exemplo paradigmático é o do saudoso e lendário rei da música pop. E aqui peço desculpas aos fãs. Não o refiro por mal. É apenas por ter sido público e notório. E também está claro que gostava de o ver a actuar. E gosto de ouvir as músicas dele. Por isso, não estou de lado diferente. Estou a falar de Michael Jackson. Faço votos que o São Pedro o tenha em sua Santa Guarda, à espera do julgamento dos vivos e dos ressuscitados, cujo juiz final será o Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele achou que a cor da pele que lhe daria maior perspectiva comercial na sua carreira era a branca, tendo, por isso, feito uma cirurgia plástica para esse fim. Para ser branco.

E, na verdade, a cor da pele nunca foi relevante para muitas pessoas esclarecidas. No tempo do Apartheid houve gente que rompeu com a barreira da cor e formou casais de pretos e brancos. Recentemente, foi reportado que uma próspera empresária francesa decidiu casar com um negro pastor de gado do Uganda, o que é ilustrativo de que há gente que tem clareza e percebe que o amor não tem fronteiras raciais. E os exemplos são infinitos em todos os cantos do mundo, mesmo na nossa pátria amada.

Infelizmente, no plano comunicacional, muitas vezes se refere África como continente negro. Tal construção, parecendo que não, é pejorativa. O continente tem muitos negros. São a maioria. Mas, há muitos brancos nascidos e crescidos em África, que nunca souberam e nem sabem de outro continente. Tal como há muitos negros em outros continentes, que nunca souberam de África. No caso americano, os cidadãos daquela constelação de Estados, mesmo a partir do mapa-mundo têm dificuldades de indicar, em concreto, os países africanos.

O artigo 39 da Constituição da República de Moçambique proíbe actos que atentem contra a unidade nacional, entre eles, a discriminação com base na raça e na cor da pele. O mesmo acontece com a totalidade dos instrumentos ratificados por Moçambique no contexto dos direitos humanos. Todos os países do mundo têm construções constitucionais e legais semelhantes e na mesma perspectiva que Moçambique. Mas, é importante desmistificar o fenómeno do racismo. Não há e não haverá nenhuma lei capaz de combater o racismo se as mentalidades dos habitantes do planeta estiverem reféns de complexos. O combate ao racismo é interior de cada Homem. É inerente a cada Homem. Está claro que sempre que me refiro a Homem com H maiúscula é no sentido de homem e mulher, no sentido de ser humano. Uns entendem que os da raça branca são favorecidos, outros entendem que os da raça negra são favorecidos. Mas, convenhamos nem oito nem oitenta.

O saudoso Prof. Doutor Fernando Ganhão contou, numa aula, em que eu era estudante, numa turma de mais de cem, que, enquanto Reitor da Universidade Eduardo Mondlane, foi a uma reunião no Zimbabwé. Fazia-se acompanhar de um colega de raça negra. Todos sabiam quem era o Reitor. Mas, os da região encaravam com muito desagrado a atitude de Moçambique de ter um branco Reitor. Quando chegou a vez de Moçambique tomar a palavra, o mestre de cerimónia chamou o acompanhante como Reitor. Ganhão ao aperceber-se disso e perante o ar estupefacto do acompanhante que não era Reitor, tratou de dizer: “vai e não faças desmentido, fala como se fosses tu o Reitor”. E ele tinha razão, a melhor forma de desarmar quem nos quer humilhar em razão do racismo, nessas condições em concreto, é dar-lhe razão! A melhor solução é a do tipo esvaziar a fúria do sapo. O sapo com ar cheio, quase que arrebenta. Então, para não arrebentar é fazê-lo abrir a boca, tirando-lhe o ar. A fúria e a força acabam. É o mesmo que se deve fazer com um arrogante. Refiro-me a um racista praticante do racismo.

Na verdade, avaliar o Homem (ser humano) na base da sua cor da pele, sem olhar para o seu coração e a sua essência é cair no ridículo. Vamos supor que alguém está a caminhar, fazendo ginástica para o bem do coração, na Av. da Marginal ou Julius Nyerere, das mais conservadas da Cidade de Maputo. Encontra um maluco, ou seja, demente, ou seja, alguém que não esteja em perfeito uso das suas faculdades mentais. E, entretanto, este lhe atira com pedras. O Homem que está a caminhar, se, entretanto, responde ao demente, apanhando pedras no chão e atirando-as de volta àquele, se chega uma terceira pessoa, ao ver esse espectáculo, de certeza, não saberá qual dos dois não é louco, ou seja, vai deduzir que ambos são loucos. Até terá pena do recente, aparentemente, bem vestido. Assim, terá caído no ridículo o Homem ainda bom.

Assim, há que reconhecer que, quer a pessoa tenha cor negra, branca ou amarela, quer a pessoa seja de um ou de outro continente, de uma ou de outra raça, corre nas suas veias sangue humano vermelho. Quando haja necessidade de transfusão de sangue, o de branco pode ir para o de preto e vice-versa. Um conhecido meu, de raça branca, certa vez, adoeceu e foi à República da África do Sul para tratamento.[2] Impunha-se que se lhe fizesse uma cirurgia. Chegada a hora, o chefe da equipa médica era um negro natural de um país vizinho. Aquele ilustre disse, de imediato, que não faria cirurgia com um negro. Aliás, disse mais, que tinha ido de Moçambique à República da África do Sul, por não querer cair nas mãos de um negro, para a cirurgia, pois, se fosse para ser tratado por um negro, havia tantos que tinha deixado na origem. Algumas pessoas consideram o negro como símbolo da ineficácia. E o branco como símbolo da eficácia. Foi necessário um dia inteiro para convencer o homem que aquele negro operava maravilhas. E foi necessário ele ver outros doentes a saírem da sala de operações e ouvir testemunhos de outros doentes para ele perceber que, afinal, a chave da sua salvação estava nas mãos daquele negro. Na verdade, ele acabou assinando o termo de autorização, fez a cirurgia com aquele negro, até hoje está bem e virou amigo do negro médico. O meu conhecido eliminou o preconceito. Dito isto, dá para perceber que o racismo é uma questão de mentalidade.

A nível da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o Brasil, como referi pelo que contei, a propósito do oficial da Migração, é o país que se apresenta com maior evidência do racismo. Estou a fazer tal leitura pela constatação, não com base em estatísticas conhecidas. Das tantas vezes que fui ao Brasil, nunca vi negros em grandes hotéis nem mesmo nos grandes supermercados. Não sei se onde é que, assim, negros estrelas de futebol e de arte e cultura circulam, por aquelas bandas. Os negros que eu encontrava eram angolanos, nigerianos ou outros moçambicanos. Aliás, o retrato que nos é dado pelas novelas brasileiras que temos estado a consumir é ilustrativo, pois os produtores pretendem demonstrar essa parte ruim e para contribuir, por essa via, para combater o racismo. São raras as novelas brasileiras em que o negro assume um papel de relevo. Sempre tem um papel secundário, nem mesmo cozinheiro consegue ser. Salvo raras excepções, nomes e atitudes de tipo foguinho são os que assentam para o negro. Muitas vezes, assume papel ridículo de comelão, desmazelado e sem escolarização. Mais ainda, o negro é o único que não faz beijo técnico com uma branca, ou se for uma negra, ela é a única que não faz o aludido beijo técnico com um branco. E já nem falo dos que exageram desse beijo técnico para um pouco mais profundo que o simples selo, que seria um simples toquezinho não profundo nos lábios, ou seja, sem contacto língua a língua.

 Joaquim Benedito Barbosa Gomes terá sido um dos negros mais cotados, se não, até, o único negro que chegou a Ministro do Supremo Tribunal Federal (2003-2014). Ministro desse tribunal no Brasil equivale ao nosso Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo em Moçambique. Chegou a exercer a presidência rotativa do Supremo Tribunal Federal (2012-2014). Mas, em finais de 2014, acabou pedindo para deixar a magistratura judicial, e regressar à advocacia, porque sentia na pele e no sangue o desconforto em razão da sua cor da pele, perante os colegas brancos.[3] E, mesmo assim, para ter chegado a esse nível, ele precisou de vencer vários concursos. Precisou de vencer vários obstáculos de racismo. Ou seja, ele só chegou ali, porque tinha que saber mais do que os brancos. De contrário nunca teria chegado a juiz, muito menos a juiz conselheiro. E isso faz me lembrar o tempo colonial, aqui em Moçambique, em que era possível trocar notas de um negro para atribuí-las a um branco. Quando o negro tivesse melhor nota que o branco. E não havia como reclamar! Estou a falar de factos.

Ainda na CPLP, todos nos recordamos da atitude de Cabo Verde. Por algum momento tentou, com apadrinhamento não institucional de algumas pessoas na Europa, conseguir enquadramento na União Europeia, com a alegação de que Cabo Verde está mais próximo da Europa que de África, onde geograficamente se localiza. Mas, esta construção tinha muito a ver com a coloração da pele dos cabo verdeanos, ou seja, não assumem serem africanos, assumem-se europeus. Para eles não tem conteúdo a canção: sinto-me orgulhoso de ser africano, todos os meus antepassados nasceram aqui. Mas, atenção, não estou a ligar continente à cor da pele, pois há africanos brancos e africanos negros, há europeus brancos e europeus negros. E há mestiços, que são sangue de uma raça ou cor da pele e sangue de outra raça ou cor da pele.

De todo o modo, dito isto, será que os Estados Unidos são os que têm na folha de serviço o racismo? Não podemos confundir comportamentos de pessoas individualmente consideradas e de certos sectores com a atitude de todo um povo. Racistas são pessoas e não o sistema no seu todo. O povo americano não é racista. É por isso que tem saído às ruas para manifestar-se contra o racismo. Se o fosse, não teria eleito Barack Obama para Presidente. Há uma certa franja que carrega o racismo na sua mente e nas suas atitudes. E, por razões de justiça no que digo, há que reconhecer que o Presidente George Bush indicou uma negra para um cargo muito importante. E um outro negro para a mais distinta função de comando militar. Estou a falar de Condoleezze Rice que chegou ao Posto mais alto de Secretária do Estado, chefiando a diplomacia do país mais poderoso do mundo. E estou a falar de Colin Pawell, como chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, dirigindo o Exército do país mais poderoso do mundo. Há que tomar esses exemplos para cultivar como uma prática cultural a convivência rácica e da cor da pele, a partir da convivência política e de oportunidades económicas. Mas, racismo há em todo o lado. Aliás, todos nos recordamos dos memoráveis discursos do saudoso Presidente Samora Machel, de luta contra o racismo, no nosso país, na Rodésia a do Sul, hoje Zimbabwe, na África do Sul do Apartheid, na Namíbia, sob jugo sul africano. Hoje, a xenofobia na África do Sul é uma manifestação do racismo de negro para negro. Sobre a xenofobia já falamos o suficiente em texto anterior.[4]

Com o triste incidente dos EUA, todo o mundo mobilizou-se para render homenagem a George Floyd, a partir da actuação e dos gestos da própria Polícia americana para com os manifestantes. Nas principais ligas de futebol da Europa, houve homenagens com um gesto simbolizando os fatídicos minutos de George Floyd. As academias fizeram circular um abaixo-assinado contra o racismo. Não hesitei em assiná-lo. Sou contra o racismo em todas as suas manifestações. E a Europa tinha feito uma mobilização geral em solidariedade com Moussa Marega, um jogador do Futebol Clube do Porto que havia sofrido discriminação em razão da sua cor da pele, num jogo entre a sua equipa e o Vitória de Guimarães. Infelizmente, o mesmo Marega não deixou maturar a simpatia que todos nutriam por ele por tanto tempo. Num dos jogos, que se seguiu, não muito distante, sofreu falta na área. O árbitro assinalou grande penalidade. O seu treinador orientou que fosse um outro jogador a marcar a grande penalidade. Marega não gostou, tendo o demonstrado de forma ostensiva. Marcada a grande penalidade com sucesso, ele não se juntou aos colegas para celebrar o golo. E continuou a barafustar alto e em bom som desobedecendo a tudo e todos. O que ele fez não o foi por causa da sua cor da pele, mas, sim, por causa do seu temperamento.

Aliás, um talentoso jogador de futebol como Zenadine Zidane, agora treinador do Real  Madrid, foi expulso, de um jogo decisivo do Mundial de 2006, em 9 de Julho, em que a sua selecção, a francesa, jogava com a da Itália. Do nada, sem que estivesse a disputar bola alguma, deu uma cabeçada de forma ostensiva a um jogador adversário. Isso valeu-lhe a expulsão da qual se fala até hoje. Não o fez por ser branco, muito menos por ser da origem marroquina. Esse mundo do futebol também foi marcado por um golo feito com a palma da mão de Maradona. Com efeito, nos quartos de final de 1986, Maradona marcou um golo pela sua selecção (Argentina) contra a da Inglaterra, numa flagrante falta, ao ter tocado a bola com um pouco da cabeça e um pouco da mão, o que hoje, com o vídeo arbitro, seria anulado. Maradona não fez aquilo por ser branco. Fê-lo como faria qualquer um. Hoje, com o vídeo árbitro, provavelmente, o golo seria mesmo anulado. Mas, naquele momento todos nós gostámos. Até porque, naquele ano, a Selecção Argentina estava a jogar muito bem. Dito isto, fica claro que nenhuma atitude tem a ver a cor da pele.

O sol e a lua nascem da mesma maneira para os pretos e para os brancos ou amarelos e mestiços. O sangue dos pretos é igual ao dos brancos e amarelos. Tal como as flores que ornamentam a terra têm variadíssimas cores. Se temos rosas pretas, vermelhas, amarelas e brancas, ou antúrios nas mesmas cores ou tulipas com as mesmas cores para ornamentar o jardim do Éden, porque cada um não se contenta com a cor que lhe calhou e, ainda assim, respeitar a cor que calhou aos outros, também na espécie humana, à nascença, quer os pretos, quer os brancos, todos vivem do mesmo leite. De cor branca. Para qualquer que seja a cor da pele do bebé.

Dito isto, há que reconhecer que as cores contam menos. Contam mais as oportunidades que as pessoas devem ter. Para quem olha a selecção francesa, uma das melhores do mundo, se a cor da pele fosse relevante, ficaria com a sensação de que está perante uma selecção africana, porque tem muitos pretos. Debalde. Trata-se de uma selecção francesa.

A própria África do Sul onde dominou a política do Apartheid com destaque para a lei do passe e para as placas de proibição de circulação nos passeios e nas praias, com destaque para o non black, only white, está hoje dominada por negros e brancos. Há negros em extrema pobreza na África do Sul. Tal como há brancos também em extrema pobreza na África do Sul. Há brancos muito ricos. Tal como há negros muito ricos. Mas, o mundo sempre tem uma dose de injustiça bi-milenar. Há mais de dois milénios, o primogénito de Deus rompeu e rogou ao Seu Pai para o regresso à proveniência, pois percebeu que a teimosia dos humanos era mais forte que a bondade Divina. Os humanos gostam de conviver na injustiça. Gostam de viver humilhando-se uns aos outros. Uns, para subirem, humilham os outros. Ou para se perpetuarem no pedestal. Nos meus tempos áureos da Educação e Cultura, quer no Chókwè, quer no Xai-Xai, todos os meus colegas se recordam que havia no quadro de informações um letreiro que dizia: trate bem os outros quando for subindo, porque torná-los-á a encontrar quando for descendo! Aqui serve para chamar atenção a todos para ninguém humilhar ninguém, porque todos somos criaturas divinas para viver e conviver, com humanidade e respeito pela diferença.

Só uma mentalidade tacanha pode cair no ridículo de não respeitar a cor da pele do outro, de não reconhecer a magnitude do outro tal como ele é. Só uma mentalidade tacanha é que pode levar a pensar que um careca ou um albino tem algo tão importante para se lhe extrair para fins obscuros. Samora concluiria, com desespero piedoso: ignorância! A ignorância é, claramente, uma manifestação maquiavélica de desprezo do conhecimento e da verdade. O racismo é, claramente, uma manifestação de ignorância. E o mundo não pode orgulhar-se de tanta ignorância. O pior de tudo é o silêncio dos bons e dos cultos no momento da verdade. E deixam que os idiotas prosperem com as suas façanhas. O pior de tudo é que os bons e influentes ficam em cima do muro a assobiar à espera de tirar proveito de um ou de outro lado, marimbando-se com as consequências nefastas para uns ou para outros. É mentalidade tacanha!

A pobreza também muitas vezes é associada com a cor da pele. Normalmente, os pretos são pobres em relação aos brancos. Ou, pelo menos, assim se pensa. Há pobres em todos os cantos do planeta e em todos os países. Há os que comem e deitam fora. Há os que comem e a comida vai jorrando e se entornando pelos lábios. Enquanto, para uns, no hemisfério Norte, as crianças choram porque não querem mais bife, no hemisfério Sul, as crianças choram porque não têm pão para comer. Para não falar do vestuário e tecto, que são luxo no meio do nada. E isso é sintomático, nos países africanos onde as crianças são fotografadas de tangas ou vestidas de folhas das árvores, com muitas feridas, barrigas grandes, desnudadas, despenteadas, não só para simbolizar a pobreza, mas, sobretudo, para rotular a pobreza à cor da pele. Mas, como é sabido, há pobres em todos os cantos do mundo. E estes que humilham os outros em razão da cor da pele são pobres mentais irremediáveis. São ignorantes. O ignorante é como um demente: acha que nunca está errado. Na verdade, ele está sempre certo, mas, no erro! O correcto do ignorante é o incorrecto!

Mas, é importante que se diga, a pobreza em África é agravada pela desgovernação. Refiro-me, fundamentalmente, a alguns países do Norte de África e da África Central. Muitos destes dirigentes africanos têm contas na Europa. Contas chorudas, à custa de dinheiros roubados ou acumulados durante longos anos de (des)governação. Têm contas na Suíça. Têm contas em bancos de países paraísos fiscais. Esses dinheiros contribuem, sobremaneira, para alimentar o movimento da economia desses países. Quando morrem, ninguém recupera esses valores a favor do povo. Guardam objectos de valor em cofres personalizados na Europa, e, quando morrem, esses bens todos ficam para o movimento da riqueza europeia. Os europeus não têm culpa nesse aspecto, em particular. Nada! Nem tão pouco! A culpa aqui morre solteira. E, enquanto isso, os depositantes, estou a falar dos dirigentes da África do Norte e Central, deixam à míngua os seus nacionais. Comem tudo e não deixam nada para os outros. O dinheiro que os dirigentes africanos têm depositado na Europa e em paraísos fiscais é suficiente para pagar a dívida externa africana e sobrar para o consumo. Conscientes dessas atitudes, alguns desses dirigentes da África do Norte e Central não largam o poder, porque temem o futuro quando o rei já estiver nu ou em situação de el rei sem camisa. Temem as consequências. Fazem tudo para alterações constitucionais de modo a se perpetuarem no poder, aumentando mandatos, mesmo contra manifestações populares. Felizmente, essa legião de ditaduras disfarçadas em democracia tende a desaparecer, ainda que muito lentamente. Honras sejam feitas aos que respeitam os princípios democráticos e constitucionais, refiro-me àqueles que terminam os seus mandatos e regressam para casa. Queremos mais dirigentes assim! Que saibam trabalhar, servir o povo e a pátria, e, no final, regressar à casa. A esses bem-haja! A esses a minha continência! A esses tiro chapéu e faço todas as vénias possíveis e imaginárias!

Por todo o exposto, fica claro que, no mundo de hoje, o racismo é uma questão de pessoas, individualmente consideradas ou de certos sectores, e que, de qualquer modo, deve ser combatido, pelo que a participação dos Homens de bem deve ser mais aguerrida na sua condenação e combate por atitudes que se devem multiplicar, pois nenhum decreto, só por si, o fará sem esse envolvimento massivo, cúmplice e responsável.

Como é comummente sabido, o saudoso Presidente Samora Machel diria: abaixo o racismo! E nós, em resposta gritando: abaixo, abaixo, abaixo! É ou não é Samora?


[1] COUTO, Mia, Cada Homem é uma raça (contos), Caminho: outras margens, disponível em www.caminho.leya.com capturado em 03.10.2020.

[2] Autorizou-me a contar a história, sem, no entanto, mencioná-lo, como o faço em todos os meus textos.

[3] É óbvio que não é essa a justificação oficial.

[4] PAULINO, Augusto Raúl (2020), Lições do Juiz Paulino, My Love da Fofoca Jurídica 2, Colecção Panfleto, Maputo, Minerva Print, pp. 54 e ss.

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1 thought on “Racismo: um fenómeno de raça, da cor da pele, de pobreza, de atitudes e de mentalidade tacanha!

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      Tenho apreciado os artigos escritos e publicados pelo ”MY LOVE DA FOFOCA JURÍDICA” e este tal como os outros, leva-nos a reflexão de temáticas diárias com uma mistura de viagem ao tempo e espaço e em simultâneo nos reposicionando sobre onde realmente estamos. Devo igualmente parabenizar a equipa pelo tema de hoje ”RACISMO” que mais do que descriminar o outrem pela cor da pele, é uma vergonhosa ignorância sobre o sentido de humanismo. A cor da pele, diferenças culturais, tribais, sexo, etc não deviam ser relevantes no tratamento e atribuição de méritos às pessoas. Tal como diria o saudoso Presidente Samora e foi citado no artigo: Abaixo racismo!!!!

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