Do conceito de família: extra-muros da lei à educação, rumo à consolidação da emancipação da mulher[1]
Cá estou de novo, como contador de histórias jurídicas, por via da fofoca, em my love. Na verdade, em português é comum referir: era uma vez; na versão religiosa cristã apostólica: naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos; na minha língua materna (o Chope), karingana wa karingana.
Hoje, vamos tratar do conceito de família: extra-muros da lei à educação, rumo à consolidação da emancipação da mulher. Refiro-me ao conceito de família em sentido amplo, diverso do da perspectiva ou tendência ocidental.[2]
O conceito de família na minha povoação, pelas bandas do interior de Inharrime, e creio que nas povoações de tantos outros, é muito diverso do do constante do nosso Direito estadual, este último tomado da realidade ocidental. De qualquer modo, não se pode olhar para a construção que apresento como sendo global em todo o nosso País, tendo em conta o rico mosaico da nossa diversidade cultural e étnica, como, igualmente, nessa mesma perspectiva, pode variar, consoante se esteja em presença de linhagem matrilinear ou patrilinear. No que é essencial, notadamente, farei referência sempre que a distinção, nessa base, se impuser.
Na verdade, de acordo com o Direito positivo, são fontes de relações jurídico-familiares: a procriação, o parentesco, o casamento, a afinidade e a adopção (artigo 6 da Lei da Família).[3]
O status quo cultural não abraça toda esta perspectiva. Com efeito, o meu pai, mesmo sendo meu progenitor, não é o único, pois existem os irmãos dele que são, formalmente meus tios, mas são também meus pais. Ao mencionar o meu pai, não preciso de indicar, de seguida, o nome. Mas, para os irmãos do meu pai, também meus pais, devo acrescentar os nomes, ao chamá-los ou mencioná-los. Ou seja, se digo o meu pai, estou a referir-me ao pai biológico. Mas, se me refiro aos irmãos dele devo, imediatamente, adicionar o nome. Não parece haver padrasto, pois é também pai, mesmo que a sua menção seja agridoce. As irmãs do meu pai são minhas tias; aí coincide com a versão ocidental.
À minha mãe biológica chamo-a sem indicar o nome. Mas, as irmãs da minha mãe não são minhas tias, são também minhas mães, devendo, neste caso, acrescentar, de imediato, o respectivo nome a seguir à menção. Os irmãos da minha mãe, que são formalmente meus tios, são meus avós. A distinção entre eles e os avós maternos, ou seja, os pais da minha mãe reside sempre no facto de indicar os nomes, logo a seguir. A mãe da minha mãe e as mulheres dos meus tios maternos são minhas avós, e são pessoas com quem posso brincar, porque são “minhas mulheres.” Atenção: não são “mulheres”, de verdade! Mas, de brincadeira! Mas, as mulheres dos meus tios paternos e a minha avó paterna também são minhas avós, ou seja, “minhas mulheres” (repito de brincadeira)! Todas elas me tratam por neto!
Vamos agora examinar os irmãos. A dogmática jurídica identifica irmãos germanos (filhos do mesmo pai e da mesma mãe), irmãos consanguíneos (filhos do mesmo pai e de mães diferentes) e irmãos uterinos (filhos da mesma mãe e de pais diferentes). Vejamos se coincide com a perspectiva cultural. Parece difícil fazer esta distinção na cultura chope. De qualquer modo, para alguém que venha de fora, que não conheça o histórico, teria muita dificuldade de se aperceber. E tal nem é incentivado. Mas, entre os membros da família, sabem quem é quem. Dito isto, também fica claro que, na minha cultura, não existem primos. Todos são irmãos. Assim, os filhos dos meus tios paternos, ou seja, os filhos dos irmãos do meu pai são todos meus irmãos. Os filhos das irmãs do meu pai são meus sobrinhos netos. Os filhos dos irmãos da minha mãe são meus avós, as meninas são minhas mães. As filhas das irmãs da minha mãe são minhas irmãs. E qualquer que seja, na linhagem masculina, é meu avó e, a ser mulher, minha mãe. Ou seja, pode acontecer que uma criança de um ano ou menos, um concepturo (aquele que ainda não foi concebido) ou um nascituro (concebido, mas ainda não nasceu, por exemplo, gravidez) seja avó de quem já é adulto. O marido da minha tia, irmã do meu pai, é meu cunhado, como se eu fosse o meu pai, quando, na verdade, é cunhado do meu pai, e é genro do meu avó paterno.
Na verdade, esta construção tem muito peso na determinação da herança. Ou seja, na sua não determinação. Sempre em prejuízo da mulher. Essa mulher que é uma peça humana muito importante para qualquer sociedade. No campo, as famílias vivem em condomínios abertos. Eu explico melhor. Ninguém é vizinho de outra pessoa, por mero acaso. Num espaço entre cinco a vinte quilómetros quadrados, vivem famílias do mesmo tronco familiar, com o mesmo apelido, salvo pequenas excepções de netos ou submissos aceites pacificamente pelos antepassados. Nesse perímetro, a cada um, quando cresce, lhe é indicado o espaço para construir. Normalmente, se permite a construção aos rapazes. As meninas não.[4] Nisto difere a linhagem patrilinear, a que pertenço, da matrilinear. Se o rapaz casa, a esposa vem instalar-se e inserir-se na família que escolheu. O casamento no campo, nestas condições não é de pessoas, mas de famílias. Obviamente, com a Independência Nacional e os ensinamentos do saudoso Presidente Samora Machel, quanto à emancipação da mulher isso se alterou drasticamente, por um lado, e, por outro, devido à Unidade Nacional, as barreiras para casamento de jovens de um e outro sexo em qualquer ponto do País quebraram-se, definitivamente. De qualquer modo, com essas variantes, nesta sua família, tudo o que a mulher passa a fazer pertence ao património da família e não se prevê dissolução, pois mesmo que haja traição da mulher e mesmo concebendo de um forasteiro, o rebento pertence ao “curral”. O homem, normalmente, pode ter tantas mulheres quantas quiser desde que as satisfaça materialmente. Disse bem, materialmente, e não sexual ou amorosamente. E esse materialmente, muitas vezes, significa dar à mulher a oportunidade de ter a sua própria machamba e viver dos seus próprios proventos.
Mas, até antes da Independência Nacional, se morresse o homem, não havia partilha da herança, porque a mulher não saía daquela família alargada. Ela pertencia àquela família. Era mulher “lobolada”. Nessa altura, essa mulher, viúva, podia escolher, no “curral” familiar, o sucessor, normalmente, o irmão mais novo do falecido, o cunhado. A sorte é porque na altura ainda não havia doenças endémicas fulminantes, em razão dessa cultura que é menos boa. De qualquer maneira, não excluo que isso possa acontecer quando seja por vontade de ambos os intervenientes, o que pode levantar outro problema: não será que aqueles dois já se entendiam, às escondidas, antes da morte do “mano”? Nestas condições, não há como vender uma casa de alvenaria, pior, uma palhota para partilhar a herança do falecido depois de feita a meação, pois ninguém compra uma casa para se instalar numa povoação que não a sua e nem os que estão ao redor poderiam permitir tal atrevimento. Ou seja, era e é impraticável.
Aqui avulta a diferença entre a linhagem patrilinear do Sul do Rio Zambeze da matrilinear, a Norte do mesmo Rio, por um lado, e, por outro lado, deve seentender que algumas destas coisas não se fazem hoje, com a mesma perspectiva que aqui apresento, cronicando em my love da fofoca jurídica.
O meu objectivo é historicizar alguns aspectos e contribuir para o seu afastamento, sobretudo como contributo para a consolidação da emancipação da mulher, como também para a do homem cativo dessa herança cultural, na parte que é menos defensável. A admitir que estou desenraizado em alguns aspectos, há adaptações que ocorreram, que só os sociólogos e antropólogos podem explicar melhor que um leigo na matéria. Mas, seria de todo inaceitável que não delineasse o enredo fofocando desse modo, sobretudo numa altura em que, no nosso País, todo o mundo é especialista de tudo, todo o mundo é constitucionalista, todo o mundo é criminalista, todo o mundo é sociólogo. Eu também estou enveredando por essa via, já que a onda a tal leva, mas fico feliz por não ser tanto uma vez que estou em my love a fofocar juridicamente.
Nas povoações de referência a que estou aludindo, se o marido morresse e a mulher não pretendesse ninguém da família, podia optar por uma das duas saídas: ou não voltar a casar, vivendo de esquemas pontuais para resolver problemas biológicos, mantendo-se naquela povoação, o que é tolerado, sem problemas; ou teria que optar por outro casamento, fora daquele núcleo e ia quase que de mãos a abanar. Atenção, que quando me refiro ao casamento, não estou a falar do casamento civil, refiro-me ao casamento tradicional, o qual, quase sempre nem sequer era transcrito, e acho que até hoje não é, para ser reconhecido à luz da lei. Às vezes, se termina no simples lobolo. Aqui, é preciso notar que nem o novo esposo permitiria tal aventura de a mulher viúva com quem casa levar herança do anterior casamento para o dele. Os pobres são muito arrogantes, não pactuam com bens do falecido, pois, para eles, pior do que isso, é transportar o azar da morte; por um lado, e, por outro, o estatuto do lobolo vem ao de cima, pois a família do falecido teria que ser recompensada financeiramente pelo novo marido da viúva. Neste aspecto específico, também varia consoante estamos numa linhagem patrilinear ou matrilinear.
Assim, com o estatuto do lobolo, na vertente patrilinear, a mulher, os bens e os filhos pertencem à família do marido.
A nível do mundo rural, é muito comum que morra primeiro o homem. São raros os casos, ou quase nulos, os registos de situações em que a mulher morre primeiro que o marido. Um amigo, também meu compadre muito querido, contou-me que morreu a esposa de alguém. Dada a relação, ele foi saudar a família, como é de praxe. Antes mesmo do enterro da falecida, a família da mulher falecida promoveu uma reunião (ou seja, uma não reunião). Desse encontro, ou desencontro, resultou em muita confusão, pois a família da esposa queria saber do esposo, o viúvo, o que sucedera. Esta dizia nunca ter visto uma mulher a morrer primeiro antes do homem, e, por isso, pretendia saber do cônjuge sobrevivo, porque não tinha sido ele o primeiro a partir para a eternidade, onde Lazarus já não é pobre! E é assim, porque é pouco comum nas famílias tradicionais haver viúvos e nem mesmo na minha língua local se mostra fácil dizer viúvo, sendo frequente dizer viúva. Mas, mais do que um jogo de palavras, não existe no contexto tradicional direito a alimentos, nem devidos a menores, nem devidos à viúva, pois ela, já em vida do seu esposo, vivia dos seus próprios proventos. E os filhos eram, para não dizer que ainda são, de toda a comunidade. Obviamente, repito, com as adaptações de hoje face à Unidade Nacional.
Mas, tudo isto que estou a reportar tem consequências, positivas e negativas, quer para o homem, quer, sobretudo para a mulher. Quanto às consequências positivas, sem esgotá-las, indico apenas algumas. Na verdade, no campo somos todos primos e a solidariedade entre os seus habitantes é muito maior. No que tange à solidariedade, no campo, uma criança pode ficar ao cuidado do vizinho, comer, beber e dormir, sem que alguém reclame os gastos. Na cidade, isso é impensável. No campo, quando há um evento festivo ou um infortúnio, cada um que chega, traz consigo algo, por mais modesto que seja. No campo, com as casas isoladas, quando os pais viajam, deixam os filhos com os vizinhos. Ou deixam com os primos. São esses primos, entre si irmãos, que hoje, na cidade, quando são apresentados como primos e não como irmãos perguntam: aqui na cidade já não somos irmãos, agora somos primos?
Mas, também é preciso reconhecer que, neste mundo de hoje, muita coisa mudou, pois com frequência acompanhamos problemas de acusações de feitiçaria, filhos que matam os pais à paulada ou os enterram vivos, acusando-os de feiticeiros em certos distritos de Inhambane, cujas condenações foram por demais publicitadas. Que rumo seguir? A educação e formação, não sendo a cura, são, certamente, remédio importantíssimo! Um bom paliativo!
Desta abordagem, resulta evidente que não há coincidência das fontes de relações jurídico-familiares (a procriação, o parentesco, o casamento, a afinidade e a adopção) do sistema legal com as do sistema consuetudinário, fazendo-se, hoje em dia, as devidas adaptações ou adaptações inadequadas (ou seja, não adaptações).
Examinemos, agora, as desvantagens. Este sistema, que acabo de reportar, não favorece, por completo, a mulher. Coloca a mulher refém de uma família na qual se fixa. Refém do lobolo. Sem a possibilidade de obter benefícios materiais do seu trabalho de anos e anos. Coloca a mulher fora do quadro de igualdade com o homem, em violação da lei mãe. Mas, todos sabemos quanto a mulher é importante. Parece não ser relevante nomear o óbvio. O que importa é como fazer com que a mulher, no geral, e a rural, em particular, se torne igual ao homem? A resposta é uma e única: a educação e formação. Mas, temos que reconhecer que esta separação de mulher urbana e mulher rural é, muitas vezes, fictícia, pois há mulheres rurais mais emancipadas que as mulheres urbanas. Assim, embora o meu foco inicial fosse em relação à mulher rural, pelos exemplos que dei, ao longo do artigo, me lembrei que mesmo a mulher urbana atravessa alguns solavancos, sendo imperioso optar pela perspectiva de que também a mulher urbana precisa da mesma educação e formação. E o homem também, para saber lidar bem com a mulher.
Uma pessoa muito amiga me contava que, mesmo nas cidades, há homens que humilham as mulheres, controlam a comida em casa, ficam com as chaves da dispensa, abocanham o salário da mulher, que o dão destino, muitas vezes fortuito, comportamento que, de forma alguma, se pode aplaudir e envergonha a todos nós que nos pretendemos homens, de verdade.
E já que estamos a falar de mulher urbana, mulher normalmente esclarecida, ainda assiste-se ao nível da classe média moçambicana (média baixa, média média e meia alta), casais que vão de férias a Závora, Vilanculo, Bilene, Ponta D´Ouro, e lá chagados, instalam-se em casas arrendadas nas quais tudo se pode fazer desde cozinhar e lavar pratos ou roupas. Nestas situações, os esposos ficam sentadinhos a falar alto ao telefone, a assistir televisão ou vão à praia nadar ou molhar os pés ou tomar banho solar, enquanto as mulheres fazem o trabalho doméstico transferido das cidades para as praias, desde pensar no que cozinhar, fazer compras, limpezas e lavar roupa sua e do marido desde roupas interiores e quejandos até exteriores como fatos de banho, toalhas e sapatilhas. Quando isto acontece, a mulher não está de férias. A mulher é transformada em empregada e não nessa dócil peça humana. Quando isto acontece é uma violência doméstica camuflada contra a mulher. Na verdade, o melhor seria ou todos estão de férias ou ninguém está, ou todos partilham o serviço doméstico em simultâneo ou fazem escala. O melhor seria, já que estão todos de férias, todos descansam e vão aos restaurantes passar as refeições. Se são da classe média têm condição para pagar o preço e os restaurantes existem para isso. Essas mulheres, já que são da classe média, como dissemos, têm condição psicológica, autoridade moral e legitimidade social para demonstrar aos maridos como se deve agir de forma diferente.
Como dissemos, comportamentos desta natureza envergonham a todo o homem médio, envergonham a nós que nos pretendemos homens responsáveis, compreensivos, amorosos, carinhosos e pacientes. Obviamente, com defeitos mínimos, pois não estamos à busca de homem modelo de Santo nem de Anjo. Estamos à busca de um homem de diligência média, pois se não fosse assim, Jesus (Filho Unigénito de Deus) não teria insinuado: quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra (Jo. 8, 1-11). Estamos, pois a falar de um homem de bem.
De todo o modo, toa a emancipação da mulher passa pela educação e formação. Essa educação e formação deve começar dos pais de hoje, para que saibam que as suas filhas não merecem casar antes da idade núbil legal; para que saibam que as suas filhas não podem servir como moeda de troca das dívidas contraídas pelos pais, entregando a criança desde pequenina para, a partir dos doze anos, começar a sofrer violência sexual dos credores, alegadamente esposos.
Na verdade, a educação e formação da mulher tem efeito reprodutivo sem paralelo, pois essa educação e formação junta-se à inteligência da mulher para fazer milagres a bem da sociedade. É obvio que não podemos esquecer os homens, pois estamos a falar de igualdade. Mas, é exigível valorizar a mulher como melhor merece.
Por experiência própria, sempre valorizei a mulher, como profissional, desde os meus tempos de director na Educação e Cultura, passando pelos diversos cargos que exerci, até hoje. Todos os que comigo trabalharam sabem que sempre defendi que dar espaço à mulher não é um favor gratuito dos homens. Nem faz sentido falar-se de discriminação positiva, pois a mulher afirma-se por si própria. A mulher é inteligente ao mesmo nível que o homem, até acho que homem faz muito esforço para o ser. Todo o homem sabe disso. E, algumas vezes se tem dito que a mulher pertence ao sexo fraco. Nada mais falso. Trata-se de alguma senão total inverdade. Há mulheres que são mais fortes que os homens. Mesmo quando se deixam agredir fisicamente (se deixam bater) e não respondem, por temerem a gravidade da violência da sua reacção na resposta. Um meu compadre, também muito amigo, como o primeiro que reportei, conta que um certo homem passava a vida a agredir fisicamente a mulher e esta nunca reagia. Num certo dia, este homem estava na barraca a beber com os seus amigos. Na troca de copos, houve desentendimentos entre eles. Começaram a subir de tom de voz e daí partiram para a violência física (para as vias de facto). O que sempre batia na mulher saiu em grande desvantagem. As crianças vizinhas, que estavam a assistir ao boxe desregrado, correram para comunicar à mulher que o tio (marido dela, portanto), que sempre lhe batia estava a sucumbir à força de outros homens. A mulher não se fez de rogada. Vestiu fato de treino e sapatilhas, a sete velocidades, e foi ao local. Chegada ao local, quando tudo pareceria estar a amainar, perguntou àquela multidão de homens, quem tinha agredido o seu amado esposo. Começaram as gargalhadas de zombaria dos homens, como que a dizer que ela podia ter a mesma sorte que a do esposo. A senhora, ao estilo de Bruce Lee, bem conhecido protagonista de cinema dos meus tempos de garoto, começou a distribuir pontapés. Enquanto alguns homens caíam, ela os levantava e os colocava de pé para o ringue, sem cobardia, para não se aproveitar do facto de estarem no chão, outros, depois de terem levado valentes surras fugiam e ela os perseguia. Esse espectáculo, foi remédio santo para a cura do marido, pois percebeu que a mulher era mais forte que ele. Apenas o deixava. Não o queria humilhar. O marido, a partir daquele dia, começou, não só, a ter medo da mulher, como, sobretudo, a respeitá-la. Já era meu amor para aqui, meu amor para acolá, pois sabia que era por amor que ela não reagia, pois se reagisse, mesmo que em legítima defesa, era capaz de esfrangalhá-lo, sem apelo nem agravo. Dito isto, cai por terra a teoria de a mulher pertencer ao sexo fraco.
Da minha experiência como docente, embora o número de meninas no ensino primário estivesse a subir para quase metade, no ensino secundário começa a reduzir e no ensino superior se mantém a tendência. Na última cerimónia de graduação da UEM, em 24.11.2019, o Magnífico Reitor, Prof. Doutor Orlando Quilambo, anunciou que dos 805 graduados em licenciatura, mestrado e Doutoramento, 373 eram mulheres e 432 homens [www.uem.mz]. Há que lutar para a educação e formação das meninas, as futuras mulheres. Estes números demonstram uma tendência favorável, mas a tendência podia ser muito melhor.
O nosso País só se afirmará diferente, consolidando a emancipação da mulher por via da educação: ensino e formação. Sabemos que alguns países amigos têm, neste campo, um maior desafio que o nosso. Mas, temos que pensar em Moçambique, os outros que façam a sua parte. Não nos deve consolar saber que há mais atrasados que nós, pois nós temos que estar sempre na dianteira. Sabemos que há países amigos e aliados nos quais os salários dos homens são melhores que os das mulheres. Nós já ultrapassamos essa fase. Nós temos uma situação, apesar de tudo, razoável nas cidades, mas, no campo precisamos de fazer mais e melhor. De nada vale ter leis bonitas contra a violência doméstica, de família e das sucessões, aparentemente cobrindo a mulher, quando na verdade, em alguns casos, a mulher está ainda no século e no milénio passados!
Mas, como disse, insistentemente, também é preciso educar o homem no respeito à mulher. Na realidade, se as mulheres que nada têm a perder avançam, e os homens ficam, continuará a ser um retrocesso. Há que avançar juntos, como as ondas do mar, e tal será meio caminho andado para que os homens entendam como é muito melhor partilhar direitos e responsabilidades – no respeito pelas diferenças entre mulheres e homens, que não podem, nem devem servir para inferiorizar a mulher e, muito menos, para superiorizar o homem.
A ser assim, será agradável e fará sentido falar do conceito de família: extra-muros da lei à educação, rumo à consolidação da emancipação da mulher, hoje e para sempre!
[1] Ao longo do texto, os leitores encontrarão repetidamente, a utilização da primeira pessoa quer do singular quer do plural, apenas para enfatização do historial, consoante a situação concreta, pois contar histórias funciona assim, sem que isso signifique a pretensão de falar do autor.
[2] Na verdade, o conceito africano de família é muito amplo que não interessa desenvolvê-lo. Noutras latitudes, este conceito tende a esbater-se cada vez mais para pais, filhos e netos.
[3] Não me ocupo aqui da razão desta ordem de arrumação, que parece discutível, pois vou directo ao assunto.
[4] Buscando a brasa para a minha sardinha, a minha querida mãe não aceitou esta construção e teve alguma sorte. Primeiro, porque o meu pai era professor catequista, e, então o casal vivia na residência da escola; segundo, porque quando decide deixar e passa a trabalhar às ordens da Agriculta e Florestas, também havia casa destinada. Só quando o meu pai optou por deixar tudo isso é que se colocou a questão de escolha de local para construção de habitação. E, não se foi ao perímetro familiar, porque minha mãe indicou outro local em que fomos fundadores, só a guerra dos 16 terá trazido vizinhos à busca de protecção no “L” da lagoa. De todo o modo, temos o preço de ir à sede para todo o tipo de cerimónias e actos importantes. Mas, melhor liberdade não poderia haver. Graças à minha mãe, que já repousa, lá vão 29 anos.
Parabéns, amigo Prof.
Continue nesse labor de nos ensinar.
Forte abraço
Reliquia antropogico cultural e juridico.
Um artigo multifacetado!
Forca Venerando!